SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 11 de março de 2018

TROVÕES NO SERTÃO



*Rangel Alves da Costa


Agora mesmo ouço muitos trovões no sertão. Ainda se aproxima das quatro horas da tarde, mas o semblante sertanejo já é de escurecimento. As nuvens prenhes, carregadas, escurecidas, estão por todo lugar. Não só trovões como relâmpagos cortando os céus, e das torneiras de cima já começou a cair chuvarada boa.
Ontem foi assim também, de chuvarada forte, porém rápida. De um instante pra outro e um pé d’água começou a cair, e no momento seguinte as águas já estavam escorrendo pelas ruas, as poças se formadas por todo lugar, rios finos escorrendo pelos caminhos de chão. Muita chuva em pouco tempo, mas uma esperança imensa de logo mais haver um retorno em maior pujança.
E parece ter chegado hoje, já próximo ao entardecer. Perante o olhar dos mais velhos, daqueles sábios sertanejos perante as feições da natureza, não é apenas chuva grande de repente caída, mas prenúncio de trovoada. As nuvens gordas, o nublamento além do esperado, os trovões e os relâmpagos, não deixam mentir. Sem falar de um calor de mil sóis e de um mormaço que esturrica tudo. Tudo isso se afeiçoa a trovoada.
Em momentos assim, mas não igual a outros tempos, certamente que muitas donas de casa ficam em tempo de se acabar com medo dos relampejos e dos trovejamentos. O nome de Deus, dos santos e anjos, não sai da boca. Padim Ciço e Frei Damião também são invocados contra o medo da acabação. Os dedos buscam rosários e terços e a boca tremulante vai repetindo antigas e poderosas orações.
Em momentos assim de trovões e relâmpagos, nada de deixar espelho descoberto. Tudo que seja brilhoso tem de ser logo encoberto para que os raios não sejam chamados. Igualmente com panela, copos, raças, qualquer coisa possa reluzir e atrair a força relampejante da natureza. Sem falar que muita gente se mete debaixo das camas, chora, grita, fica em tempo de endoidar.
Assim, o que para a maioria é sinal de esperança, pois as chuvas tão esperadas chegando, para outros se transformando em verdadeiro tormento. Mas ainda assim a meninada, acaso encontre uma porta aberta, logo sai em disparada pelas ruas. Sem temer as fúrias dos trovões e relâmpagos, simplesmente procuram biqueiras, descampados, calçadas escorregadias e até poças para os festins da chuvarada.
Certamente que os trovões e os relâmpagos assustam, porém muito mais as estiagens grandes, as secas medonhas, os bichos berrando com fome e sede e o homem na desvalia de tudo. Num período assim, ao invés de as mãos se unirem em orações para que os trovões e os relâmpagos se afastem dali, verdadeiramente imploram sua chegada. E há muito sertanejo que até chora de alegria ao ouvir os primeiros ribombos lá no alto ou nas distâncias.
A verdade é que os trovões sertanejos são como anúncios de chuva grande. Não há medo que seja maior que a vontade que chova muito, e sempre mais. São das trovoadas grandes que as esperanças renascem em semente em grão. Com a terra molhada, com o tanque cheio, com os brotos vingando de novo sobre a terra, então logo se terá fartura. E o sertão alimenta-se dessa esperança entremeada de medo e alegria com as forças da natureza.
Não demorou muito e os trovões e os relâmpagos foram embora. A chuvarada forte também. Mas a terra já está molhada, alguma água foi juntada nos açudes, barragens e tanques. E o homem da terra já faz planos. Logo estará semeando o grão sobre o chão.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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