SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 17 de fevereiro de 2018

PROEZAS DE JOÃO LAMEU


*Rangel Alves da Costa


Eu tive o prazer e o privilégio de desfrutar da amizade de João Lameu. Não só dele como de sua esposa Jarde, a mesma amizade que tenho e cultivo agora com os seus filhos e netos. E já são muitos bisnetos.
João Lameu, de longa e afamada linhagem familiar em Poço Redondo, homem trabalhador em todos os estios da terra, da vaqueirama e de todo afazer do mundo sertão, é relembrado pela sua alegria, pelo seu jeito amigueiro de ser e também por outras coisas, que mais adiante serão rememoradas.
Sua esposa Jarde, ora quem não se recorda de Dona Jarde? De raiz familiar igualmente portentosa, com veias que ainda hoje se estendem pela Rua dos Vaqueiros, contudo comumente é mais lembrada pela sua deliciosa cozinha.
Ora, Jarde de João Lameu era cozinheira de mão cheia. Quem não experimentou seu sarapatel ou fígado acebolado não sabe o que perdeu. Quem não se fartou de sua panelada de carne nova, de dia de feira, não conheceu a delícia da vida. Vendendo comida ao lado do mercado, a feira inteira era logo chamada a ir até lá saborear a comida ainda fumegante nas panelas grandes.
Pois bem. Dona Jarde foi esposa desse João Lameu cuja memória é um entremeado de lutas e verdadeiras fantasias. Eu já sabia de alguns “causos” envolvendo o amigo saudoso, mas outro dia, em Curralinho, sua filha Zuleide acabou revelando outras de fazer gargalhar até o dia seguinte.
Uma já contei por aqui, mas volto ao assunto. João Lameu também gostava de uma pinguinha, de uma casca de pau ao pé do balcão. Tomava uma, se animava. Tomava outra, queria mais. E quando isso acontecia em dia de feira era um desastre para Dona Jarde.
Aconteceu que sendo vaqueiro da Santa Rita - propriedade do meu avô Ermerindo -, João Lameu deixou sua Jarde nos afazeres da casa, colocou o saco nas costas e bandeou para a cidade, para fazer a feira da semana. Só que a pinguinha entrou no meio e atrapalhou tudo.
Já perto da boca da noite, tungado que só, João Lameu pegou a estrada de volta, levando às costas sua feira. Assim que entrou na primeira cancela da Santa Rita, coisa de um quilômetro até a sede, eis que, já no escurecimento das horas, ele avistou um brilho estranho no beiral da estrada.
Assim que avistou aquela estranheza toda, com tanto brilho perante seu olhar anuviado de pinga, logo gritou: “É ouro, é ouro. Tô rico, tô rico!”. E no mesmo instante despejou ao chão toda a feira que levava, e em seguida encheu o saco de ouro. Deslumbrado com tanta riqueza conseguida, assim chegou à última cancela.
Gritou ainda fora de casa: “Jarde, Jarde, minha fia, venha aqui. Tamo rico Jarde, tamo rico demais Jarde”. E despejou todo o ouro que levava. Jarde quase desmaia de susto, mas depois, de raiva, quase acaba com a vida do esposo. “Rico de que, João? Por que encheu o saco de osso de gado e trouxe pra cá? Cadê a feira, João? Cadê a feira, João?”.
Segundo sua filha Zuleide, João Lameu era o medo em pessoa, não havia ninguém mais medroso que o pai. Toda vez que caía trovoada, com relâmpagos e trovões açoitando lá fora, Dona Jarde se via doida fazendo garapa não só para os filhos como para o esposo. “Por que tá tremendo, João?”, perguntava a esposa. E ele mal conseguia responder: “Com medo, Jarde, com medo. Traga mais uma garapinha”.
Certa feita, sendo Joemil sabedor do medo de tudo sentido por João Lameu, então, por brincadeira, lançou-lhe um desafio. Daria uma boa quantia acaso ele fosse até o cemitério e de lá retornasse com uma cruz. João, querendo mostrar destemor, aceitou na hora. E seguiu em direção ao cemitério, indo por dentro dos pastos, pois mais rápido de chegar.
Só que Joemil mandou uma pessoa seguir o corajoso João. Sem perceber que estava sendo seguido, ele ia normalmente até encontrar uma cerca de arame. Mas tinha de passar, não havia jeito. Então se curvou para passar entre os fios, e foi quando o arame prendeu a camisa.
“Pelo amor de Deus, me solte, me solte. Me solte que não vou mais buscar a cruz não. Me solte...”. E dali mesmo voltou tremelicando mais que vara verde. E ainda a facada que deu num saco de carvão, na escuridão do quintal, e depois correu dizendo que tinha matado um homem. Eita João Lameu!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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