SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Palavra Solta - canção do exílio


*Rangel Alves da Costa


Já não estou onde gostaria de estar. Não fui a lugar nenhum, mas não permaneço mais. Não sei por que assim acontece, mas fui banido dos sonhos, fui degredado da estrada, fui expatriado de mim mesmo. Que desterro mais cruel. Um ser humano e sua forçada ilha. Um ser humano e o seu mundo indesejado. O que mais dóis, contudo, não é a ausência de onde eu queria estar, mas a presença em reclusão da alma, que se afeiçoa ao mais tenebroso exílio. Tive que deixar para trás os desejos de menino, tive que abdicar dos desejos do adulto, tive que me afastar daquilo mínimo que eu queria ter. Paz, apenas. Ou paz como tudo. A paz de uma rede na varanda, a paz de um adormecer sossegado, a paz de uma leitura sentado num pé de pau, a paz de um banco de praça, a paz de um pássaro cantado ao redor. Que mundo é este, que vida é esta onde não se tem mais paz? Não posso abrir a porta, não posso abrir a porta, não posso abrir a janela, não posso sentar à calçada nem caminhar debaixo da lua grande. Não posso escrever poesia nem uma prosa fantasiosa, pois tudo realista demais. E num real que assusta, que amedronta, que espanta. E que nos torna em exílio forçado. Ter a vida, querer viver e não poder. Impossível retornar ao chão firme de um sensível coração. De alma embrutecida pelos outros e pelas realidades do mundo, abdico de comungar com as violências. Por medo e por não haver outra vida além da vida. Por isso mesmo a canção forçada no peito, no espírito, na alma. O exílio, enfim.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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