SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 2 de dezembro de 2017

VIVER, APENAS...


*Rangel Alves da Costa


Já não sei se quero ilhas ou quero multidões. Também não sei se quero distâncias ou proximidades, convívio ou desolação. Talvez bastasse estar em paz em qualquer lugar. Mas em qual lugar?
Prefiro os silêncios às vozes, aos barulhos, aos murmúrios. Porém sei que é impossível calar o mundo. Sempre haverá um grito por todo lugar. À noite, quando mais desejo a calma silenciosa, eis que os gatos ecoam seus gemidos de dor e prazer.
Tomo um café forte, quente, sem açúcar, pelo simples prazer da bebida. Não apenas um, mas muitos cafés desde o acordar ainda antes do cantar do galo. Depois acendo um cigarro e fico meditando sobre as dores do mundo.
Nietzsche tinha razão. Schopenhauer também. Tudo é ilusão. Não há, no viver, nada além de uma tábua de faquir e de um braseiro lanhando de fogo a pele. Daí que não há profeta ou filósofo que não chore à beira do rio.
Mas refletir muito atormenta a alma já transtornada até mesmo pelas simplicidades. Nada mais parece causar prazer, contentamento, a paz merecida. Em tudo, apenas o medo, a agonia, a angústia, a ficção. Um mundo acorrentado e sem saída.
Gosto quando chove na madrugada por que o seu som toma a voz de todos os outros sons. Mas também pela sua feição melancólica a cada pingo. Certamente que são lágrimas desprendidas de qualquer face oculta. Que pode ser a minha ou de qualquer um.
Queria pegar o sol com a mão e sentir seu calor. Talvez seja frio demais se espalhado na mão. Já a lua eu sei que é quente, chamejante, ardente demais. E sei por que não há luar que não traga na sua luz uma nostalgia profundamente angustiante.
Delírios, insanidades, distúrbios, enlouquecimento? Não. Ou sim. Ora, a razão se perdeu e em seu lugar permaneceu apenas a conveniência. E não há como ter sanidade se ao redor tudo enlouquece e em pesadelo se transforma.
Ainda assim eu gosto de meditar. Os pombos e as folhas mortas da amendoeira sabem bem disso. Logo ao amanhecer, mas principalmente ao entardecer, sento-me no velho banco defronte aquilo que um dia já foi um jardim.
As horas passam que nem sinto. Os pombos me chegam e contam segredos. As folhas mortas me recobrem como se desejassem esconder os meus olhos molhados. Em instantes assim, talvez até eu converse sozinho, dialogue comigo mesmo, mas nunca me perguntei sobre o que tanto falo.
Então vem a ventania e deixa tudo ainda mais entristecido. As folhas são levadas como se fossem apenas restos. E realmente são. Os outonos são enfermidades que abrem túmulos e provocam tristezas e dores. Pelos arredores, uivos e murmúrios de outras folhagens e dos ocultos que permanecem como almas encantadas.
Além da tristeza mais triste, muito triste é conviver com jardins desolados, ressequidos, sem flores. Pelos canteiros apenas as recordações, as saudades, as relembranças. Talvez seja por isso que a janela adiante não é mais aberta. Não há mais borboletas, pássaros, gafanhotos. Nada. Somente o entristecimento da solidão.
Talvez um dia eu escreva alguma coisa sobre o nada no ser. O livro do nada contando tudo sobre o absolutamente nada. Mas nem tudo vazio assim. Certamente que numa página estará escrito que à frente havia uma porta esperando ser aberta. Noutra página, dizendo sobre uma estrada adiante. E noutra mais sobre a distância de tudo.
Mas não há folha de papel onde vivo e as folhas da amendoeira já foram levadas ao vento. Nada posso guardar no olhar. Tudo se molha, tudo escorre, tudo se vai. Nada posso guardar em mim ou dentro de mim. A solidão tomou todos os espaços.
E assim a vida vai. Um viver, apenas... Ou não.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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