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segunda-feira, 7 de agosto de 2017

O CASARÃO DE BONSUCESSO


*Rangel Alves da Costa


Defronte ao agora magro caudal do São Francisco, num alto vistoso, logo se avista a exemplar arquitetura e imponência de um casarão que remonta os tempos imperiais, desde que o caminho pelas águas era o único para se adentrar e desbravar os sertões. Seu construtor, como um soberano erguendo um forte para ter diante de si toda a visão panorâmica desde a primeira curva do rio, ali fez surgir uma história que se mantém tão viva como intrigante.
Construído pelos idos de 1887, a arquitetura antiga sempre se mostra mais imponente que as atuais formas arquitetônicas, ainda que o tempo tudo faça para fragilizar suas estruturas. Os materiais utilizados, em muitas situações, são tão resistentes que permanecem como inalterados. Assim, mesmo que a fachada e paredes externas tenham de ser constantemente reparadas, as estruturas continuam tão firmes quanto aqueles tempos primeiros.
Assim acontece com o Casarão da povoação ribeirinha de Bonsucesso, no Sertão Sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sempre denominado de casarão pela sua grandiosa construção e pela imponência que se destaca em meio às paisagens ribeirinhas das beiradas do Velho Chico, entre as margens de vegetação rasteira e as matas e caatingas sertanejas. Contudo, o que mais chama a atenção é a engenharia levada a efeito na sua construção, pois tudo fruto de grandes e penosos sacrifícios humanos.
Em Poço Redondo, somente a Gruta do Angico possui maior importância histórica que o Casarão do Bonsucesso. Este, fincado desde os primórdios da colonização ribeirinha defronte ao Velho Chico, numa parte mais elevada e de onde se avistam as águas nas suas distâncias, foi erguido num misto de poder e mando e de submissão escravista. E assim por que o Casarão, construído na pedra batida entre paredes largas, ainda hoje chora, sangra, agoniza a dor escrava entre suas paredes e seus arredores.
Como pode ser ainda observado em antigas fotografias (e recentemente chegou-me às mãos uma verdadeira relíquia fotográfica através da amiga Quitéria Gomes), ao lado do imenso e imponente Casarão havia outras construções para a criadagem serviçal, a senzala. Com efeito, no período de construção do sobrado, a escravidão imperava por todos os lugares, e muitos escravos foram trazidos para a região ribeirinha do São Francisco e gestaram muito do que ainda se tem como obra de quase eternidade.
Os negros foram trazidos para todos os tipos de trabalhos, desde a terra às construções. E foi assim com a grande moradia do senhor de então daquelas margens são-franciscanas. Ora, o poder e a riqueza têm que ser mostrar grandiosos, faustosos, imponentes, e tendo na mão escrava a cumprimento da ordem, tudo era feito para que a opulência também fosse mostrada através da residência senhorial. E assim foi ordenada a construção do sobrado com paredes de verdadeira fortaleza.
Que engenharia foi levada a efeito, com exigências verdadeiramente extravagantes. O senhor não desejava apenas a fortaleza para morar, mas também nos cercados e muralhas circundando a residência. Então ordenou também a construção de cercas (ou muros) de pedras. E pedra sobre pedra, numa junção arquitetônica ao modo da exatidão no encaixe das antigas civilizações. E não trabalho para durar meses ou anos, mas séculos, como depois se confirmaria.
Assim, não só nas paredes do casarão (de cerca de um metro de largura) como nas antigas cercas de pedras que corriam aos fundos e nas laterais, tudo erguido pela mão negra, pela mão escrava, tendo como a ordem o açoite e a obediência pelo lanho de sangue jorrando pelos lombos e pelas mãos. E há de se imaginar aquelas mãos em tão árduo ofício e de repente ainda tendo de suportar chibatadas em busca da perfeição.
Daí se dizer que as paredes e as cercas do Casarão, ainda que na pedra talhada, foram todas cimentadas pelo sangue negro. E por isso também a eterna presença escrava nesta indescritível riqueza histórica: o Casarão de Bonsucesso. Hoje ainda tão belo e suntuoso, mas ainda hoje também de tão triste memória pela sua dolorosa história. E uma história para também ser sentida na alma de hoje.
E ainda lá a imponência do belo Casarão. À sua frente as águas do Velho Chico, pelos arredores as paisagens sertanejas. E todo um sertão em suas mais diversas feições. Há que se dizer, contudo, das dificuldades de acesso e visitação de todos aqueles que desejem adentrar na histórica construção. Sob ordens do atual proprietário, os cuidadores não permitem visitas públicas. Lamentável que assim aconteça, vez que uma história para ser vivenciada e compartilhada e não apenas avistada.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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