*Rangel Alves da Costa
Nestes momentos de pavor extremo, não seria
algo de outro mundo se a bandeira nacional, ao invés da geometria pátria
ornando o lema Ordem e Progresso, passasse a ostentar aquela imagem eternizada
pelo pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944) na sua pintura O Grito, na
primeira versão de 1893. A força expressionista é tamanha que logo traduziria a
fisionomia e o sentimento do povo brasileiro comum ante os últimos
acontecimentos envolvendo políticos e até o governante maior.
Com efeito, nada mais representativo à
realidade nacional de momento do que o simbolismo expressionista contido na
famosa pintura: algo parecido com um ser humano, de feição e sexo indefinidos, tendo
ao fundo um mar azul, atravessando uma ponte e no seu semblante um olhar
espantado, aflito, angustiado, aterrorizado, tendo por consequência o grito.
Grito este que mesmo silenciosamente se ouve por todo lugar. No caso
brasileiro, o grito sufocado, pasmo, terrificado.
Ora, tudo na pintura se afigura à nossa
espantosa realidade. Há uma paisagem marinha ao fundo, uma menção perfeita às
nossas belezas praieiras. Há uma ponte representando uma passagem de uma
situação a outra, que talvez seja o próprio futuro da nação. Há um ser misto de
humano e fantasmagórico, andrógino, que simboliza sem igual o brasileiro que
sequer se reconhece mais como ser real ou como um frankensteiniano entrecortado
pelas agruras. E que contexto apavorante!
E o que simbolizaria aquele olhar atônito,
aqueles olhos aterrorizados e emoldurados por mãos que seguram o rosto
transparecendo não acreditar no que vê, não crer na visão daquilo que está mais
adiante? Nada mais que o espanto diante daquilo que de repente se tornou o
Brasil, como se estivesse se deparando com monstros invencíveis. Os monstros
que surgem dos labirintos do poder, da governança, do empresariado, da
política, mostrando suas garras odiosas e destrutivas.
O espanto, o assombro, o sobressalto, o não
acreditar no que está adiante: um país afundado em lamaçais putrefatos, um
esgoto de onde saem ratos graúdos e asquerosos, um covil de serpentes
venenosas, um leito apodrecido por onde jorram as fedentinas da corrupção, da
improbidade, da ilicitude, da evasão de divisas, do peculato, de infinidade de
crimes abismais. Os lixos debaixo do tapete não teriam mais cabimento. Não há
tapete que comporte tamanha imundície. E o que se viu foi tudo ser lançado pelo
ar como praga devastadora.
Que país é este de agora que espanta e faz
gritar? Não há silêncio ou mudez que não sejam rompidos pela espantosa e
vergonha realidade a que todos se submetem. E por causa de alguns ladrões,
alguns espertalhões, alguns corruptos. E por causa dessa nefasta política de
espertalhões e aproveitadores, de corruptores e corrompidos, de mafiosos e
ladrões baratos. E por causa dos tratamentos diferenciados entre ladrões de
milhões e ladrões de galinhas. E por causa das impunidades que afagam as
improbidades e as ilicitudes políticas e governamentais desde os tempos mais
antigos.
Diante de uma situação dessas, não há grito
que não grite. Não se tem mais um só dia que não surja um novo escândalo
envolvendo Brasília, envolvendo aqueles que deveriam ser os responsáveis pelo
crescimento e desenvolvimento nação. Ora, por que não há o crescimento e o
desenvolvimento tão almejados pela população? Simplesmente por que roubam tudo,
desviam tudo, fazem do dinheiro público um vergonhoso festim. E ainda chamam ao
banal da sem-vergonhice o alto empresariado, de modo que este suporte bancar a
outra parte da insaciável fome da corrupção.
Aquele olhar atônito, esbugalhado, espantado,
não avista mais que isso. Mas talvez aviste muito mais. Direcionado que está a
Brasília, neste horizonte o que vislumbra na paisagem do poder o deixa
verdadeiramente estarrecido. Deixa para trás o mar de real beleza, atravessa a
ponte, gritando, gritando, gritando. E adiante vai afundar, junto com o próprio
País, no abismo das incertezas.
Desse modo, com o seu O Grito, nunca é
exagerado intuir que Edvard Munch antecipava o apocalipse brasileiro de agora. E
um Apocalipse cujo juízo final não deixará a salvo nenhum daqueles pecadores da
política e do poder. Todos, absolutamente todos, cairão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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