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domingo, 9 de abril de 2017

OS PEIXES ENVENENADOS DO RIACHINHO JACARÉ, EM POÇO REDONDO, SERTÃO SERGIPANO


*Rangel Alves da Costa


Noutros idos dos sertões nordestinos, quando não havia tanto desmatamento e a natureza permanecia preservada pela ausência meramente destrutiva da cobiça humana, o clima era muito estabilizado, as estações chegavam nos seus tempos certos e com suas feições próprias, as chuvas chegavam com mais constância e os leitos d’água se enchiam ou corriam na normalidade dos volumes de chuvas, ainda que tudo ao lado dos períodos de secas grandes.
Os pequenos riachos, mesmo com enchentes apenas ocasionais, corriam limpos e pujantes em meio ás matas ciliares e matarias mais adiante. Não havia a destruição dos leitos, a retirada da areia para as construções e aterramentos, a remoção das pedras para fins de construções nem a derrubada das plantas próprias das margens. Sem a ação destrutiva humana, quando as chuvas caíam mais fortes nas suas nascentes, logo tinham inícios as cheias e a festa do povo perante a beleza das águas correndo em meio ao sertão.
Com o Riacho Jacaré, no município sergipano de Poço Redondo, na região sertaneja mais seca do estado, não era diferente. Quando as chuvas desciam fortes nas cabeceiras, não demorava muito e as águas começavam a correr. A primeira cheia sempre encontrava um leito sujo, feio, tomado de restos de esqueletos de bichos, de troncos e pedaços de pau. As águas passavam e iam limpando tudo, levando tudo. Da segunda cheia em diante riacho era apenas das águas de lado a outro, convidando o sertanejo ao banho e à admiração.
Contudo, com o passar dos anos, as chuvas foram escasseando ainda mais, as cheias foram diminuindo, o leito do riacho sendo totalmente degradado pela retirada das pedras e da areia, muitas vezes servindo apenas para empoçamento de águas fétidas e doentias. Contudo, toda vez que chove um pouquinho na cabeceira, na sua nascente, as águas chegam e, sem força de correr, vão formando grandes poços, e nestes algumas vidas vão surgindo como para espantar aqueles que sempre acreditam num leito de riacho sem a mínima possibilidade de peixes. Mas estes nascem e crescem e são até pescados por alguns sertanejos.
Neste último sábado, 08 de abril, pouco mais das cinco horas da manhã, eu já estava na beirada do Riacho Jacaré para constatar um fato que me fora dado conhecimento ainda na noite de ontem. Com efeito, o amigo De Ouro procurou-me para relatar uma preocupação: os peixes que ainda surgem no riachinho estavam repentinamente morrendo. Então, acompanhado de De Ouro, quase madruguei por lá para infelizmente confirmar a informação repassada.
Como na passagem para o Alto de João Paulo as águas ainda existentes – e que chegam poucas das chuvas fracas nas cabeceiras – se dividem praticamente em duas, do lado esquerdo de quem vai logo se avista a mortandade de peixes miúdos e mais graúdos. Muitos, já nas beiradas, já respiravam fraquejando, morrendo aos poucos, se batendo por cima das águas rasas. Mas por que assim de um lado e de outro não? A única explicação possível é que produtos químicos chegados pelos esgotos estão envenenando aquelas vidas.
Contudo, esgotos residenciais não descem com tamanho poder de dizimação das vidas ainda existentes no leito do riachinho. Será preciso, pois, que o poder público mande verificar se o sistema de esgotamento vindo diretamente do posto de combustível logo adiante não é o que está causando tamanha mortandade. Alguma providência deve ser tomada. E com a maior urgência possível. De qualquer modo, logo ninguém sequer suportará passar por aquele local. A fedentina de peixes mortos estará insuportável.
Tantos peixes morrendo em dias de Semana Santa e de tantas panelas vazias, mesas sem pratos, barrigas com fome. Mas assim mesmo a vida e seu espanto no mundo sertanejo. Quando os peixes surgem, logo a morte dentro da água, pela mão do próprio homem, e sem aproveitamento algum.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com  

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