SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 20 de abril de 2017

CALADO EU


*Rangel Alves da Costa


Boca fechada resguarda tudo. Muito melhor se manter calado a abrir o verbo de vez, ainda que os motivos e as justificativas sejam os mais plausíveis. Melhor evitar a falar ao vento, mesmo que seja indescritível o prazer de despejar tudo de vez.
Então, calado eu fico, permaneço, continuo. Melhor assim a abrir a boca para dizer umas verdades a grande parte de uma população brasileira que reclama e reclama, critica e critica, mas na hora de votar se ajoelha à mesmice corrupta e lamacenta.
Calado eu fico para não dizer umas poucas e boas a uma gente que parece não ter o que fazer e se compraz em assistir as baboseiras e idiotices de um BBB. E ainda por cima, apaixonadamente, leva às redes sociais seus fervores e suas pequenezas humanas.
Calado eu permaneço para não fazer da voz punhal afiado nem da palavra uma arma mortal. Mas é que dá vontade mesmo de dizer nas fuças umas poucas e boas. A gente vai guardando e guardando, suportando e suportando, mas chega um instante que corda arrebenta e não tem jeito mesmo.
Calado eu fico quando sinto que não vai adiantar mesmo o que eu possa dizer. Falar ao vento é perda de tempo, dizer a quem não sabe ouvir é gastar saliva, dialogar com o analfabetismo político é ter raiva sozinho. Ora, se não fosse o ódio e o rancor aprisionados, creio que o eterno silêncio seria a melhor palavra.
Calado eu fico por que sei que de minha voz pode sair tiro, bala, espoleta, chumbo, estricnina, veneno mortal. Não que minha palavra seja maldosa, cruel, ferina ou bala certeira, mas que se torna impossível não detonar perante determinadas situações. Num doa a quem doer, o mais importante mesmo é não aceitar enraizando os absurdos de um mando insano.
Calado eu estou agora e não sei por quanto tempo continuarei assim. Talvez por um instante apenas ou pela eternidade. Mas não adianta, pois o meu olho brilha, a minha pele eriça, o meu sangue ferve, o meu corpo avermelha. Tudo raiva, tudo ira, tudo ódio por tantas incoerências, injustiças e iniquidades.
Calado eu fico como fica a montanha após a presença do sábio. Medito, reflito, encontro razões. Em silêncio eu fico como o velho sábio ante o as águas que lentamente passam no leito do rio adiante. Medito, reflito, procuro encontrar. Sem palavra permaneço como permanece o céu na presença da luz maior.
Calado eu fico para não, através da voz, levantar os tapetes que escondem as podridões dos poderes, os esgotos políticos, as putrefações que assolam o país. Não significa, contudo, que assim eu permaneça, pois apenas buscando fôlego para bradar de vez um inconformismo que já perdura desde tempos mais antigos.
Calado eu fico para não ferir, machucar, atentar contra qualquer pessoa. Calado eu fico, mas como uma vontade danada de xingar de tudo o que não presta, de dizer nas fuças umas boas verdades, de fazer sair pela boca tudo o que precisa ser gritado e que ainda permanece em doloroso silêncio.
Calado eu fico por que sei que a taça é frágil, que os candelabros são frágeis, que as asas das borboletas são frágeis, que o silêncio é frágil demais para ouvir. Ao abrir a boca, talvez um vendaval saia destroçando tudo. E não quero que o frágil pereça pelos meus ódios e rancores.
Calado eu fico até quando quero falar e dizer te amo, te amo, te amo. Calado eu fico quando eu precisava declamar poesia ao meu amor. Calado eu fico quando quero falar coisas belas e que agradem ao coração. Mas tenho olhos, mãos e corpo que tudo dizem e tudo pedem.
Calado eu fico agora. Emudeço. Vou guardar minha voz para quando eu precise me revelar um segredo: Não haveria de ter palavra. Bastaria o silêncio!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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