SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 10 de janeiro de 2017

POÇO REDONDO NA ESTRADA E NO ASFALTO


*Rangel Alves da Costa


Hoje a pessoa sobe num carro e em quinze minutos está em Curralinho. Sobe num carro em Aracaju e em duas horas e meia está em Poço Redondo. De Canindé a Poço Redondo ninguém sequer percebe o tempo passar, e segue quase por uma imensa avenida com casas de lado a lado. Do modo que era antes, está tudo perto demais.
Noutros tempos, subir na marinete de Seu Vavá para seguir ao sertão era um nunca chegar. Mais de cinco horas por estrada de chão, ruim, pedregosa, empoeirada, como solavancos de minuto a minuto. Fora as vezes que ele parava para namorar já perto de Sítios Novos. Lembro-me de uma agalegada que era uma de suas namoradas de estrada. Eita Seu Vavá tanto gente boa como metido a galanteador.
Na sua marinete - quase o único meio de transporte do sertão à capital - seguia de tudo, desde galinha a bode, de abóbora e melancia. E até preso. Eu mesmo já presenciei gente muito perigosa sendo levada algemada e aos cuidados de dois policiais. Ficavam nos últimos bancos, mas tudo misturado aos demais passageiros.
Para o que foi ontem, hoje se vive em primeiro mundo e na velocidade jamais imaginada. Aqueles antigos caminhos sertanejos, quase todos nas curvas do Velho Chico, era de encomendar e marcar no calendário a possível chegada. Eram dias para um corte bonito de pano sair de uma loja em Propriá e chegar até Bonsucesso ou Curralinho. Dificilmente a pessoa saía do porto do Curralinho para a feira de Pão de Açúcar e retornava ainda no clarão do dia. Eram viagens difíceis, penosas, mas as únicas acessíveis aos sertanejos.
Hoje em dia, quando, por esporte, uma turma de poço-redondenses madrugada para fazer caminhada até a beira do rio, sequer imagina que aquele mesmo percurso era feito duas vezes ou mais ao dia por João de Virgílio. Chegava um saco no porto de Curralinho para ser entregue em Poço Redondo, e lá ia João ajeitando nas costas para fazer chegar ao balcão. Acaso morresse alguém nas barrancas do rio, e lá vinha João buscar o caixão. E com ele retornava já debaixo da lua grande. E sempre descalço, com seu beiço largo, sua pele amorenada, seu chapéu em pedaços e um inseparável charuto. Até que um dia tombou sem vida no meio da estrada que era sua vida.
Era realmente uma vida de sacrifícios pelas distâncias. Principalmente aos sábados, aqueles feirantes antigos de Poço Redondo subiam em paus-de-arara para a feira na Boca da Mata. Rumo a Nossa Senhora da Glória, nas alturas de um velho caminhão apinhado de gente, correndo todos os perigos do mundo, lá seguiam Delino, Pedro Bola, Zé de Iaiá, Ireno, dentre tantos outros. Se o caminhão já seguia pesado na partida, que se imagine ao retornar carregado de gente e de saco de tudo, de penca de banana a fardo de peles.
Naqueles idos, quanta importância do burro, do jegue, do cavalo, do carro-de-boi. O Coronel João Maria de Carvalho arribava de Serra Negra no seu alazão e riscava ainda fagueiro na casa de Zé de Lola. Quem gostava da casa de Bastião Joaquim era seu filho Eraldo e seu sobrinho Evaldo. Eraldo mandava trazer seu cavalo branco com o único objetivo de, já bêbado, sair em disparada pelas ruas e entrar nos salões de forró com cavalo e tudo. Mas também, em tempos mais distantes, comboieiros chegando na casa de Seu China e Dona Marieta. Pernoitavam e depois seguiam pelas estradas empoeiradas sertões adentro.
Seu Zé Ferreira saía de Major Isidoro nas Alagoas e chegava ao sertão dirigindo um jipe. Ter um jipe era ter status. Quando minha tia Izabel Marques comprou uma caminhonete foi a maior novidade do mundo. Lilizo chegava a beijar a caminhonete de seu pai, meu padrinho Joãozinho. Alcino tudo fez para aprender a dirigir em Corcel e depois em Opala, mas nunca aprendeu a contento. Muito menos dançar.
Mas hoje ninguém mais monta num lombo de jegue. Ou é moto ou carro possante, de luxo. Até mesmo Neném de Elenita já não é mais chamado como antigamente. Não faz muito tempo que todo recado era dado por Neném, que saía virando esquina em meia carreira. Hoje Neném passa e quase ninguém fala. Tudo é no celular, no alô quem fala.


Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com 

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