SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

EU E POÇO REDONDO


*Rangel Alves da Costa


Eu já tenho mais de cem anos de idade. Talvez duzentos anos ou mais. E assim por que vivo e convivo com o passado distante, com aquilo que comumente chamam de velharias ou coisas velhas.
Enquanto uns procuram se distanciar ou esquecer, eu simplesmente vou ao encontro e abraço, pois amo o passado, a história, as raízes. Guardando as proporções, assim meu pai Alcino fazia e assim eu faço agora.
Sou esse Matusalém da História porque sinto a necessidade de que os de agora conheçam - ao menos um pouco - os passos e a saga de Poço Redondo, seus personagens e suas importâncias em determinados contextos do nosso percurso.
Sei um pouco da história de Boboca, por exemplo, mas quero conhecer muito mais. Mas quem foi Boboca, alguém há de perguntar. Um humilde e pobre sertanejo igual a tantos, mas de igual importância aos grandes nomes ainda relembrados.
Preocupo-me tanto com a história de Boboca como a de meus avôs China e Ermerindo ou minhas avós Mãeta e Emeliana. A mim, a saga de cada sertanejo é que possui valia e merecimento no contexto histórico, seja Tonho Biôto ou Alcino, seja Remígio ou Seu Durval.
Acumulo e entrelaço percursos passados para transmitir aos de hoje, objetivando mostrar a importância de cada um. Assim faço no Memorial Alves Costa, assim faço nos meus escritos, nas minhas palestras e nas postagens fotográficas que faço.
Tenho compromisso com Poço Redondo. Deus não me deu conhecimento egoísta, e sim um destino de sabedoria a ser partilhado com todos. Tudo o que aprendo, logo faço questão que outros saibam. E assim vou dividindo conhecimentos do já esquecido por muitos.
Sou incansável nessa luta pelo resgate da história, das velhas raízes. Possuo avidez em partilhar da vida dos meus conterrâneos. Quero cada vez mais estar presente na vida desse povo que também é minha raiz.
Por isso que vou ao casebre mais distante e sinto o peito pulsar ouvindo o velho sertanejo, a velha lanhada de tempo, o autêntico conterrâneo. Vou aonde se esconde a humilde família, empobrecida e calejada de tempo, e de lá retorno cheio de felicidade e contentamento.
Faço das estradas, veredas e caminhos, meus mais costumeiros percursos sertanejos. Não gosto de estar no centro da cidade, mas pelos arredores e distâncias no convívio com a pedra, o bicho, a planta, o morador, a solidão dos casebres.
Coloco tudo no meu aió da memória e depois retorno para mostrar aos de agora. Não sei se mais tarde, quando eu já tiver mais de quinhentos anos e partir, alguém vai se lembrar do meu nome ou se existi. Não importa. Importa o que faço agora.
Não quero depois uma estátua em praça ou um nome de rua. Não quero outorga póstuma nem reconhecimento tardio. Tudo o que faço agora é deixar para a posteridade um caderno de vida, e esta entremeada de todo o passado de minha terra e do meu povo.
E um dia serei feliz. Daqui a mil anos ou mais, quando todos já se esqueceram daquilo que distantemente existiu, eu ainda estarei vivo. Tão vivo quanto a eternidade dos que agem para a imortalidade.
E assim por que cultivo e planto sementes. E as espalho por aí. O vento do tempo nem a tudo levará. Algumas frutificarão de tal modo que nada, absolutamente nada, conseguirá apagar.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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