SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 31 de outubro de 2016

UM OLHAR SEM DISFARCES


*Rangel Alves da Costa


Em muita coisa eu não acredito. Também não gosto de muita coisa. E não sou de meio termo, ou sim ou não, e está acabado. Também não me deixo levar pelos outros nem me conduzir por falsos floreios de modismos ou propagandas. Faço meu próprio modismo e só me sirvo daquilo que reflita o meu jeito de ser e viver. Nem luxo nem lixo, mas o comedimento necessário à humildade, à simplicidade, ao existir para a compreensão e não para a ostentação.
Eu não conheço nem reconheço pessoas pela fama, status, posses, poderes, brilhos ou instantâneos. Eu só conheço pessoas pelo que são enquanto seres humanos, e não pela aparência ou representação social. Não reconheço quem aos outros desconhece, não reconheço que não avista pessoas, mas tão somente submissos ou subordinados. Não reconheço quem se protege em escudos e esconde suas mazelas. Mas conheço o pobre, a pessoa comum, o humilde, aquele qualquer um que por tantos é desprezado.
Eu não dou o mínimo valor àqueles que se acham sempre um patamar acima das demais pessoas, que se sentem sempre como em pedestais, que olham para baixo como se estivessem em cima das escadas da fama e do reinado da celebridade. Igualmente não comungo com intelectualismos exacerbados nem com sabedorias forjadas em poucos livros. Repugnante é toda expressão forjada para que o comum não entenda, é toda escrita cuja leitura seja incompreensível até mesmo para os idiotas de mesma monta. Ou a palavra é expressa para ser compreendida ou a inteligência tem de sair da ignorância.
Eu nunca acreditei em frases atribuídas a filósofos, soberanos, estudiosos, famosos ou se já lá quem seja visto como exemplar sabedoria. De vez em quando, surgem fatos novos transferindo ou modificando as autorais, quando não as negando totalmente. Comumente surgem afirmações de frases que foram citadas nos leitos de morte, ditas como últimos suspiros. Ou ainda frases que seriam impossíveis de serem ditas perante as situações e mesmo registradas por alguém. Quem ouviu o moribundo e solitário alpinista das geleiras do Everest dizer como últimas palavras que “A morte é fria demais”?
Eu não beijarei qualquer boca sem antes perguntar à sua dona se realmente sabe beijar. Acaso ela avance de boca aberta e lábios ávidos por sugar, então não me servirá. Acaso ela pense que beijo é sucção, é mordida ou melação, certamente que não me servirá. Será que tenho de ensinar e dizer que beijo é toque suave, é carinho, é roçar de lábios, é como um amoroso sussurro? Será que terei de dizer que o beijo possui asas e faz voar, que é diálogo entre lábios e não mangueira ou aspirador?
Eu não tiro foto com prato de pouca coisa, com folhinhas e filetes, se o que gosto mesmo é de comida com farinha, arroz, feijão e carne de panela. Gorda, ainda por cima. E se possível com uma pimentinha do lado e um caldo num pires para fazer bolo de feijão com a mão e tascar pra dentro. Comida boa não é aquela de cardápio grã-fino, de menu impronunciável, de chiqueza e etiquetas. Comida boa é aquela que faça gostar, saborear com prazer, querer sempre um pouco mais. E se come bem sem ter de pagar absurdos e levantar da mesa ainda faminto.
Eu não posto fotografia com fotoshop, todo costurado e remendado, maquiado e alisado, com pele de anjo e cabelo de seda, se assim não me reconheço. Acaso eu vivesse escondido e as pessoas jamais confrontassem o que verdadeiramente sou com o que finjo ser, então tudo bem. Mas quero ser sempre reconhecido e não irreconhecível. É melhor se mostrar como é e assim ser avistado, sem se iludir a si mesmo nem querer enganar ninguém. O que é jamais deixará de ser por causa de uma arrumação fotográfica. O belo sempre estará na autêntica simplicidade.
A vida e o viver necessitam, assim, de olhares sem disfarces. As realidades não podem ser fingidas ou maquiadas. Ou a pessoa enfrenta as situações com a sua verdade ou viverá apenas pelas aparências. Ou, o que é pior, num mundo irreal e alheio a si mesmo.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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