SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 27 de setembro de 2016

RUAS TRISTES


*Rangel Alves da Costa


Muitos afirmam - e com plena razão - que as ruas possuem alma, possuem espírito, traduzem no seu âmago todo jeito de ser e sentir de uma cidade. E de seu povo.
Neste sentido, as ruas também traduzem o espírito e a alma das pessoas, de seus transeuntes e caminhantes. Tornam-se, assim, o reflexo dos sentimentos de seus andantes.
Quando as pessoas entristecem, caminham desoladas, vão e voltam sem as costumeiras alegrias nas faces, então também as ruas entristecem. E também se atormentam.
Pessoas passando alegres, em sorridentes diálogos, sem pressa e sem atropelos, vão repassando às ruas um contentamento compartilhado, um encanto diferenciado.
Por vezes, quando acostumadas com caminhantes na leveza da paz, as ruas até se esquecem de suas solidões. Nos noturnos, quando o vazio se faz, ainda assim elas são felizes.
Contudo, nada mais doloroso às ruas que suportar pessoas sobrecarregadas de angústias e aflições pelos seus percursos. É como se as amarguras nublassem os espaços.
Não há rua triste com um povo feliz. Não há rua amargurada com um povo que passa contente. Não há rua sofrida com um povo que caminha cheio de sorrisos e planos.
Mas não há rua feliz quando o seu caminhante passa cabisbaixo, descontente, sofrido. Não há rua alegre com o passante levado na face e no olhar toda a angústia do mundo.
E as ruas estão tristes, feias, angustiadas. Mas por que as ruas estão assim? Ora, há um povo que passa sem canto, sem verso, sem poesia. Há um povo que passa carregando a dor.
As ruas não gostam que seus caminhantes passem mal vestidos, esfarrapados, com roupas sujas, quase como mendigos. E pessoas que não passavam assim, agora passam.
As ruas não gostam de situações deprimentes, mas não por que sempre queiram coisas belas no seu percurso, e sim pelo fato de conhecer as causas e os motivos de tais realidades.
As ruas não suportam olhos aflitos, feições desesperançadas, desânimo de passo a passo. Mas cada vez mais as pessoas passam assim, carregando à mão as contas não pagas.
As ruas se atormentam quando pessoas sentam sobre seus bancos e dialogam somente misérias, problemas, desilusões, aflições. Por que tem de ouvir, então entristece ainda mais.
Tempos, tempos aqueles onde os diálogos eram de conquistas, de realizações, de acontecidos bons e esperanças vindouras. Confessam-se as ruas. E confissões que doem.
E se dizem ainda as ruas: Não havia tantas pessoas pedindo esmolas, mendigos demais pelas portas das igrejas, tantas mãos estendidas, crianças chorosas na procissão da miséria.
E dizem mais a si mesmas: Os hippies, esses cabeludos chegados de outros caminhos, escolhiam beirais de praças para seus comércios. Mas agora tomam as calçadas dos centros.
Ademais, mesmo nas regiões mais centrais, o comércio ambulante se alastra espantosamente. Mesmo sendo uma necessidade, a desordem acaba enfeando as cidades.
Tais situações vão tornando as ruas cada vez mais entristecidas. E tomadas de uma aflição que reconhece difícil de acabar, eis que as pessoas estão cada vez mais deprimidas.
É tudo como se tudo estivesse num mar revoltoso. As pessoas caminham em busca de salvação. Não há motivo de alegria, de sorriso, de felicidade. O tempo é de difícil tempestade.
Não é outono, mas as ruas se enfeiam com folhas secas e mortas. Mas não são folhas de árvores, e sim os restos e as imundícies que se acumulam e esvoaçam sobre o seu leito.
Tanto faz a lixeira, assim para a maioria das pessoas. A rua é para se encher de papel, de ponta de cigarro, palito de picolé, propaganda e muito mais. Assim na mente das pessoas.
E também as pedras que se descolam e vão abrindo buracos, os bancos que vão perdendo seus assentos, os gradis que são derrubados, o caos. Tudo no âmago das ruas.
Não é, pois, sem motivos, que as ruas tanto sofrem. E sofrem mais ao saber que quanto mais a crise vai arruinando a vida do povo mais os seus dias também serão de tristezas.
Nas tristezas, desânimos e desalentos do povo, tanto faz as ruas existirem ou não. Tornam-se esquecidas. As pessoas apenas passam, apenas seguem tentando sobreviver.
Mesmo apinhadas de gente, não há como não sentir uma profunda solidão. Nenhum namorado diz uma palavra de amor. Ninguém senta num seu resto de banco levando uma flor.
Sim, em tempos assim, de crise, pobreza e desilusões, as ruas tanto faz. Também as pessoas quase tanto faz em si mesmas. Não há autoestima que pague uma conta atrasada.
E quando o sol se põe e as ruas começam a esvaziar, logo se imaginaria que elas retomassem a paz. Mas não. As ruas não adormecem quando muitos não conseguem dormir.
Cai um sereno noturno, depois a chuva. Tudo solitário e tudo vazio. E as lágrimas das ruas também vão escorrendo pelas pedras cansadas pelos passos dos aflitos. Tudo tristeza.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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