SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 12 de julho de 2016

PELOS SERTÕES DE ANTIGAMENTE


*Rangel Alves da Costa


Antigamente, em Poço Redondo, os mais velhos sempre tinham uma desculpa boa para se achegar ao pé do balcão e pedir para descer uma. Antes da comida pesada, da carne gorda de porco, de um sarapatel ou feijão com mistura de tudo, a cachaça servia para preparar a barriga, para não dar indigestão.
Em situações assim, Mané Azedinho era só atravessar a rua - a mesma Prefeito João Rodrigues - e no outro lado entrar por uma das três portas do Bar de Delino. Ao pé do balcão, batia no pé do bucho e pedia para descer uma “zenebra”, assim se referindo à Genebra Guichard. Um hábito entre muitos sertanejos. Já João França, mestre de obras por excelência, separava o domingo para a sua beberança, mas apenas com cerveja. Em qualquer bar que chegasse, mas principalmente em Delino, logo pedia: “Desce aí uma Brahma”. Somente depois de uma cinco é que esquecia a marca.
Quando de sua morte, a numerosa família de João França teve, além da dor da perda, um sofrimento redobrado, fato que até hoje marca a história de Poço Redondo. E assim porque no mesmo dia também faleceu sua esposa. Uma perda na manhã e outra um pouco depois, fazendo com que seus filhos, parentes e amigos, redobrassem as lágrimas e os sofrimentos.
Até hoje é como se a finada Selma - outra conterrânea de Poço Redondo - estivesse esbanjando sua alegria e simpatia entre todos. Sempre brincalhona, já então avançada no seu tempo, festejava a vida como se estivesse prevendo seu curto itinerário. Morena simpática, de pele tingida de sol, um dia disse adeus depois de já consumida pela enfermidade. Assim também com Decinha e tantas outras e outros que deixaram muitas saudades.
Por falar em Mané Azedinho, era na sua calçada que todo santo dia, de sete da noite em diante, que se reunia um grupo de sertanejos para colocar em dia os assuntos surgidos e outros chegados a galope. Pai Né, o próprio Mané Azedinho, Meron, Joãozinho de Neusa, Ireno Cirilo, Vadinho de Mané Joaquim, Nanã, Praxede, Manezinho França, Florêncio, Odom, Bastião Joaquim, e tantos outros, ali chegavam e em proseado permaneciam até tarde da noite. Não havia o perigo de agora.
Nas noites de hoje, assim que avisto Djalma (Doutor de Iolanda), Tonho Meu (Tonho de Clotilde), Francisco Rocha e outros sertanejos, reunidos em proseado na calçada da loja de Kelly, sempre me vem a recordação daquele outro grupo sentado mais adiante, descendo na mesma rua, como se tudo se repetisse com outra feição. Rua que na calçada Dona Araci, em tardes de sombreados e brisas boas, sentava com sua almofada de bilros e se punha a entrançar linhas, mudar espinhos, mexer com as bolotas de madeira, seguindo o molde no papelão rente ao pano.
Por falar em Doutor de Iolanda, é do seu nome que vem uma assertiva interessante: grande parte dos poço-redondenses nasceu, na verdade, em Pão de Açúcar. Seu nome Djalma é uma homenagem ao médico alagoano Doutor Djalma, abnegado profissional que sempre fazia os partos das mulheres que para a vizinha cidade alagoana se deslocavam ao surgirem as primeiras dores. Chegavam entre solavancos da estrada de chão e ainda tinham de atravessar o rio para chegar ao hospital. Por isso mesmo que muito choro de menino foi ouvido pelas estradas, muito antes da beira d’água.
Um Poço Redondo rico em histórias, em causos, em proseados. Assim como a passagem de João da Bicha pelo lugar. Sóbrio, era um homem na sua normalidade, bem vestido de branco, de chapéu, cordial. Mas de repente e se transformava totalmente. Já era o feiticeiro, o bêbado doentio e trêmulo, o mandingueiro vivendo às sombras de uns restos de uma casa abandonada. Quando revirado, pois, quando envolto em mistérios e magias, era o verdadeiro medo em pessoa.
Um medo parecido com o causado por Tonho Bioto quando surtava. O homem pacato se transformava num perigo danado, pegando em pedra, tamborete, ameaçando jogar. Diferente de Agostinho, que vivia em surto apaixonado, delirando em palavras uma antiga mágoa de amor.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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