SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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domingo, 3 de abril de 2016

PALAVRAS DE LIBERDADE


Rangel Alves da Costa*


Que rasguem os manuais, as etiquetas, os métodos e os procedimentos. O ser humano não nasceu para ser vigiado nem conduzido. A liberdade está para a natureza humana como o direito natural àqueles que fazem suas próprias leis de convívio e sobrevivência.
Inadmissível que após nascer livre, de repente a vida passe a ter de se ajustar segundo as conveniências dos outros. Andar descalço é feio, espreguiçar-se é feio, não querer cumprimentar é feio, não chamar o de anel de doutor é feio, não silenciar ante o poder é feio, tudo é feio.
Coisas absurdas vão sendo impostas que acabam transformando o homem livre num ser aprisionado de quase tudo. Tirar a camisa no meio da rua é feio, não beijar a mão do padre é feio, não se benzer ante a igreja é feio, comer com a mão é feio, encher o prato demais é feio, dizer a verdade é feio, mandar a faladeira procurar o que fazer é feio, tudo é feio.
Tudo tem de ser segundo as regras sociais impostas. Do contrário, será feio, proibido, inconveniente, inadequado, mal-educado. Nesse passo, ao homem não é permitido escolher seu próprio certo ou errado. Acaso faça valer seu desejo, será sempre errado aquilo que a sociedade impositiva achar como errado. Quer dizer, é um beco sem saída.
Há privações de liberdade em quase tudo. O homem não nasceu assim, regrado, submisso, socialmente escravizado. Nasceu livre, com seu direito natural e o poder de prevalência de seu desejo sobre as conveniências sociais. Ora, o que é a nudez senão a vestimenta natural, pois não há tecido mais belo que a pele humana?
Mas, por imposição de uma sociedade falsamente puritana, proibiu-se a nudez como expressão normal da vida. Diz-se, então, de atentado violento ao pudor, de promiscuidade, de ato obsceno. Contudo, há de se observar que o despudor ou a obscenidade está precisamente naquele que assim enxerga, com intencionalidade no olhar, e não no corpo nu em si.
Por isso mesmo que as amarras senhoriais impositivas vão sendo quebradas pelo próprio tempo. As novas realidades vão se cansando das imposições e se desfazendo dos grilhões puritanos e conservadores. E os senhores da moralidade e dos regramentos sociais têm de suportar calados as atitudes adolescentes e de todos aqueles que se cansaram das velharias.
Os tabus vão sendo incessantemente quebrados, as regras vão sendo refeitas, os costumes vão se modelando segundo os novos tempos. Tiveram de reconhecer que adultério não é crime, que é apenas safadeza daquele que trai. Tiveram de reconhecer que o jovem de hoje já não é a criança de ontem e que sua idade de escolha já não e mais a mesma.
Noutros idos, qualquer atitude além da normalidade imposta era caso para internamento em hospital psiquiátrico. Só mesmo maluco para ter os cabelos longos e desgrenhados, para andar sempre descalço, para escolher a natureza como lar e deixar para trás os regramentos urbanos. Conversar com plantas, bichos e pássaros era caso para camisa-de-força.
Comprovado está que o homem é um ser indomável. Ele só se doma a si mesmo, e não há outro que o submeta interiormente. Mesmo os grilhões, as chibatas e os açoites, jamais conseguiram retirar-lhes seu desejo de liberdade, de ser o que é e de fazer o que bem desejar. E toda tentativa de aprisionamento de anseios e sonhos se reverterá em retribuições dolorosas.
Que o homem seja o seu próprio lobo, seu próprio pássaro, seu próprio vento. O ser humano não nasceu nem para ser medida nem esquadro. Seus limites são de sua competência absoluta. Desde que não afete o outro, estará sempre completamente livre para fazer o que quiser, o que bem entender.
Nada mais ditatorial que moldar como as pessoas devem ser, o que podem ou não fazer, como devem se comportar. Repugna, recusa-se veementemente, toda tentativa de limitar o outro dentro de interesses pessoais, de afirmar o que está certo ou errado, de impedir que siga na vida o caminho que desejar.
Assim como o Estado retira do ser humano parte significativa de sua liberdade, também outras pessoas se arvoram no direito de querer nortear a ação do próximo e censurá-lo toda vez que fuja de seu espelho. Mesmo que tudo seja na base do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.
Quanto a mim, apenas vivo, e distante dos manuais. Desejo cada vez mais conversar com pessoas e muito mais com as plantas, os bichos, os seres inanimados. Sei que a pedra ouve, e por isso dialogo com ela. E converso muito comigo mesmo, no silêncio e na palavra. E não sou maluco. Mas tanto faz que assim pensem. Vivo o meu mundo, apenas.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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