Rangel Alves da
Costa*
Outro dia,
a amiga Taysa Godoy lembrava-me de algo interessante. Sabedora que sempre gosto
de visitar pessoas aparentemente esquecidas da atual sociedade poço-redondense,
então ela perguntou se eu recordava de Neném de Rita.
Mas claro
que sim, logo respondi. Quando meninote eu não saía dos arredores da casa de
Dona Jovita, onde sempre me reunia com Antônio José, Aderaldo, Vadinho, Gérson,
Juarez, Zelito (os dois) e tantos outros amigos, ora para brincar de futebol na
calçada (com jogador feito de plástico levado ao fogo em tampinha de leite
ninho) ou catando sacola velha de plástico para fazer rede de trave de futebol.
Nosso campinho era bem ao fundo da casa. E todas as vezes que eu estava por ali
sempre avistava Neném, eis que Dona Rita morava na vizinhança.
Hoje em
dia a família não mora mais ali, mas já procurei saber onde poderei encontrá-lo,
e logo após a ponte, na estrada depois da casa de Arnaldo e Lucinha, quase
defronte à casa de comadre Conceição, onde vive num quartinho separado da
residência de um parente. Não demora muito e o farei uma surpresa. Certamente pouco
recordará dos tempos idos, mas jamais esquecerei o seu jeito terno de ser, um
eterno menino num homem feito. Seu problema de demência ou algo parecido,
jamais impediu de se manter sempre sorridente e cumprimentando quem o conhecia
com aquela voz arrastada e cativante.
A história
de Neném é o próprio enredo da negação de muitos conterrâneos para com seus
irmãos. Além do ser humano maravilhoso que é, pertence a uma família das mais
importantes de toda a região sertaneja. É gente de Zé de Julião, de Rita, de
Anita e, desse modo, vindo de uma linhagem familiar de tradicional pujança e
profunda e verdadeira raiz. Talvez poucos soubessem, mas Neném ainda pode ser
encontrado a poucos passos do centro da cidade. A ele devo uma visita, várias,
e a ele também devo o prazer do reencontro com os esquecidos da sociedade.
São
simples gestos, assim como um cumprimento ou uma visitinha, que tantas vezes
provocam grandes transformações nos sentimentos humanos. Gente há que vive tão
desolada, esquecida, praticamente renegada aos desvãos da existência, que um
pouco de atenção já desperta um verdadeiro renascimento. Atualmente, quem
chegar à humilde residência de Dona Clotilde, lá pelas bandas da Praça de
Eventos (a última casa pelo lado da serraria), logo será convidado por Neném a
apreciar um retrato. Dois, melhor dizendo.
O
primeiro, um santinho pelo falecimento de Alcino num porta-retratos, e outro
maior, numa moldura de parede, onde são avistados a própria Neném, sua mãe
Clotilde e eu. Ela sente imenso prazer em mostrar tais fotografias,
principalmente a mais recente. Assim acontece porque, intimamente, se sente
valorizada por alguém ter fotografado e a presenteado com tal recordação. Por
isso mesmo que toda vez que chego por lá ela se ajeita toda no sofá para que
meu lugar fique garantido junto a ela. É como se estivesse repetindo a pose do
retrato logo adiante.
Também não
faz muito tempo que a amiga Ana de Juvenal, igualmente a Taysa, recordou-me
acerca de Argentina, irmã de Agostinho, aquele que de paixão perdeu o juízo e
entre nós vivia em estado de humana e cordial loucura. Pois bem, segundo Ana, Argentina
ainda vive, porém convive com o injusto esquecimento da população de Poço
Redondo. Disse-me ainda o quanto ela se sentiria imensamente feliz com qualquer
visitante que na sua moradia chegasse como uma surpresa boa.
Ana tem
razão, e também Taysa. As pessoas precisam ser mais valorizadas, mais
reconhecidas enquanto estão entre nós. Não adianta proclamar saudade, bondade
ou reconhecimento, após a partida terrena. Além dos afazeres cotidianos,
precisamos sempre encontrar um tempinho para visitas aos esquecidos, aos
enfermos, aos idosos, àqueles que um dia foram tão importantes quanto supomos
que agora somos.
Quem
conhecerá o amanhã de nossos passos incertos? Mas desde já ninguém deseja ser
esquecido.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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