SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 30 de junho de 2015

SARUÊ SOIM


Rangel Alves da Costa*


No tempo de quintal também era o tempo do saruê e do soim. Dois bichos miúdos, zanzando de lado a outro, surpreendendo a cada instante. Um com um líquido fétido de não acabar mais e o outro com mordida perigosa demais.
Saruê é bicho de mata, mais parecendo um rato rabudo, mas que costuma visitar quintais onde existam árvores grandes, principalmente frutíferas. O mesmo ocorre com o pequenino macaco, também conhecido como sagui ou soim.
O saruê nunca gosta de ser revelado pelo seu outro nome: gambá. Os motivos são óbvios. Teme que ninguém dele se aproxime com medo de sua fama de malcheiroso. Exala o odor fétido mesmo, mas muito mais como defesa do que por gostar de ser detestável.
O soim também não gosta de ser chamado sagui. Acha mais romântico ser lembrado como bicho de estimação a ser reconhecido apenas como um macaco que não cresceu. Odeia ser chamado sagui porque lhe faz parecer algo como macaco-anão.
Tanto o saruê como o soim gosta das alturas das árvores, de dormitar durante o dia e aparecer de repente onde se encontre gente. Saem do quintal e vão se achegando da cozinha adentro, subindo nos telhados, nas madeiras, onde exista um buraco para se esconder. Acabam sendo forçosamente domesticados.
Descobriu-se um dia que tanto o saruê como o soim tudo fazia para agradar seus amigos humanos, ou aqueles em cujos quintais e residências acabavam fixando moradia. Desse modo, o saruê evitava ser expulso a vassourada por causa da fama do seu cheiro ruim, enquanto o soim procurava se comportar da melhor forma possível e não ser rejeitado pelas suas costumeiras macaquices.
Por isso mesmo é que de vez em quando o saruê sumia quase o dia inteiro. Quem o procurasse nada encontrava nem em cima da árvore nem nos escondidos da casa. Quando a barriga apertava e tinha que soltar líquido, então achava melhor estar na distância a ser apedrejado até a morte. Por isso é que se escondia na mata para que seu odor não importunasse ninguém.
E dizem que seu cheiro era tão forte que ele mesmo chegava a desmaiar por não suportar a podridão ao redor. Chegou ao ponto de ter dificuldade até de encontrar um lugar sossegado para soltar seu esguicho e depois forçadamente adormecer, pois muitos animais não admitiam que empesteasse seus ambientes de vida. E foi até ameaçado se novamente aparecesse por ali.
Depois de retornar cansado e abatido de muito distante, o saruê foi percebido pelo soim, que logo chegou a uma distância segura para perguntar o que tinha acontecido para estar assim daquele jeito. Quando, choroso e deprimido, o saruê lhe contou a situação e a ameaça recebida, logo recebeu conforto imediato. E mais: ele, o soim, ia dar um jeito de não precisar mais sair dali quando precisasse esguichar seu líquido malcheiroso.
E só mesmo soim para ter tanta inventividade. Pediu que o amigo saruê esperasse um pouco e saiu em diligência pela casa, numa velocidade estonteante, mais parecendo um raio pulando de canto a outro. Não demorou muito e voltou dizendo que já havia encontrado o elixir de salvação do amigo. E quando a vontade de esguichar apertasse era só avisar. Mas tinha de ser a uns dois minutos antes, que era o tempo de ir buscar o remédio.
E foi por isso que os perfumes, as loções e as lavandas, de repente começaram a sumir da penteadeira da bela e vaidosa mocinha. Ali em cima do verniz lustroso o Toque de Amor, o Charisma, a Alfazema Suissa, o Jardim Orvalhado, dentre outros frascos perfumados e de contínuo uso. Um único responsável pelo sumiço da perfumaria: o soim.
Quando o saruê se apertava e gritava pelo amigo, logo o macaquinho pulava em direção à janela da bela mocinha. Voltava rapidamente trazendo um frasco que ele mesmo cuidava de abrir e emborcar na boca do malcheiroso. E forçava que o saruê bebesse tudinho, não deixasse sequer um pinguinho. Garantia-se, assim, que perfumado por dentro o bicho não lançasse nada fedorento para fora.
Mas tudo teve efeito contrário. E duplo. A bela mocinha pegou o soim com a boca na botija, enquanto surrupiava mais uma fragrância e o expulsou do quintal a cabo de vassoura. Já o saruê não teve melhor sorte, pois morreu com tanta mistura química no organismo. No alto da árvore estava e lá mesmo se despediu dessa vida. Mas nunca se viu um bicho defunto tão perfumado. Ao longe o macaquinho sentia o vento levando a fragrância e chorava de saudade.


Poeta e cronista
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Bolero antigo (Poesia)


Bolero antigo


Sei que a noite chega
e vejo a noite de escuridão
então não vá meu amor agora
precisa ouvir a minha canção

minha voz já não canta mais
então ouça o meu coração
que pulsa um bolero antigo
e pede sua mão para o salão

abraça-me no bolero antigo
preciso sentir suave perfume
um jardim e o seu jardineiro
e dessa flor morro de ciúme

abraça-me na canção antiga
toque no lábio um doce sabor
tão belo é viver a esperança
no bolero que fala de amor.


Rangel Alves da Costa

Meu Silêncio, Tua Palavra – 20


Rangel Alves da Costa*


O meu silêncio pergunta: Por que o espírito do homem deve estar tomado do espírito de Deus?
A Tua palavra diz: “Ai daquele que diz ao pau: Acorda! e à pedra muda: Desperta! Pode isso ensinar? Eis que está coberta de ouro e de prata, mas dentro dela não há espírito algum” (Habacuque 2:19).
Como a insensibilidade torna o homem indiferente ao que elege como desmerecedor de seu apreço, bem assim a sua negligência com as coisas sagradas. Ou o ser humano escolhe ter fé, obediência, respeito e devoção ao que vem do alto, ou ao seu corpo, espírito e alma, faltarão a seiva divina e a essência do poder divino. E um ser sem Deus, sem a sua força de proteção e reconhecimento, será como a ilusão do poder de uma folha seca ante a ventania. De nada vale vangloriar-se ter a postura de uma rocha, o tamanho de uma montanha, a solidez de diamante, se lhe falta a seiva da sustentação. Eis que a fragilidade do homem sem Deus é tamanha que até a brisa que apenas sopra vai consumido tudo até nada restar da falsa grandeza. Mas diferente ocorre com o grão cheio de espírito sagrado. Ali o inquebrantável rochedo da eternidade.


Poeta e cronista
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segunda-feira, 29 de junho de 2015

MEU MUNDO


Rangel Alves da Costa*


Vivo entre dois mundos. O mundo lá fora, do asfalto, do ferro, da velocidade, do medo. E o mundo onde me resguardo para viver. O mundo depois do abrir a porta e encontrar tudo que preciso para esquecer o mundo lá fora.
O mundo lá fora é estranho demais para mim. Tenho um mundo entre quatro paredes que acaba sendo todo o meu universo de vida. Um mundo pequeno na medida, mas grande demais na sua significação.
O mundo lá fora é perigoso demais para mim. O meu mundo de quatro paredes possui duas divisórias e assim se transforma em meus continentes. E em três continentes espalho o que sozinho faço.
O mundo lá fora é violento e barulhento demais. O meu mundo fica ao redor do mundo lá fora, mas me esqueço de tudo mais adiante quando ultrapasso a porta ou o portão e reencontro toda a minha vida.
O mundo lá fora é traiçoeiro e arrogante demais. O meu mundo possui a singeleza de uma poesia e a paz dum entardecer. O único habitante desse mundo sou eu, além dos livros, das pinturas, desenhos, cactos e artesanatos.
O mundo lá fora possui tudo e sempre nada. O meu mundo possui quase nada e indescritivelmente tudo. Além dos birôs, dos sofás, das cadeiras, das estantes, dos armários, das tecnologias, o meu mundo possui a feição de ninho e o aspecto de baú antigo.
No meu mundo trabalho, no meu mundo escrevo, no meu mundo vivo praticamente todo o meu viver. Um mundo chamado escritório, mas não um escritório qualquer. Um local como aquele lugar da casa onde a pessoa se sente bem em estar, assim como um solar ou uma varanda de repouso e descanso.
O meu mundo parece sorrir quando chego e sempre abraço meu mundo. Tudo limpinho, tudo arrumado, tudo no seu devido lugar. Sou metódico demais, preocupado demais em guardar tudo no lugar exato e sem preocupação alguma quando tenho de encontrar um documento, um jornal antigo, uma fotografia, tudo o que for necessário e útil.
Sei em qual local da estante estão meus cd’s de música clássica. Sei onde em que local de outra estante estão guardados os meus pincéis, minhas tintas, meus guaches, meus vernizes, meus lápis de desenho. Sei onde estão os manuscritos de façanhas cangaceiras e sertanejas que meu pai deixou.
Sei em quais pastas estão as fotografias pessoais e as familiares e históricas. Sei das cartas, bilhetes, rascunhos, escritos. Sei de todos os processos já arquivados e dos feitos em andamento. Sei do que há em cada pasta guardada nas estantes e do que tratam os recortes, os esboços e manuscritos que carinhosamente mantenho comigo.
Como afirmado, meu mundo é dividido em três pequenos espaços. Na entrada, pelo lado da rua, uma pequena área onde de vez em quando estendo a espreguiçadeira e também onde costumo ficar mirando as chuvas que caem nas madrugadas. Na outra parte, um birô com cadeiras, estante com cactos, artesanato sertanejo (cangaceiros, bois, cavalos, pequenos objetos em argila), um birô e mais de uma dezena de desenhos emoldurados nas paredes. Todos de minha autoria.
Na parte principal, onde geralmente sou encontrado envolto em meu mundo, um birô, sofás, estantes e um armário. E quadros e desenhos com motivos sertanejos pelas paredes. Também retratos nas paredes e diversos objetos artesanais. Livros escolhidos, processos em pauta, objetos sacros e até um chapéu cangaceiro acima da estante, ao lado de dois imponentes animais de barro.
É no continente maior desse mundo que escrevo, penso, reflito, recordo, sou feliz e sou triste. E ouço Offenbach, Strauss e Tchaikovsky para deitar à relva nos espaços além desse mundo.


Poeta e cronista
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Pássaro em liberdade (Poesia)


Pássaro em liberdade


Não, não sou assim tão triste
não sou só de barro e solidão
pois quando me sinto amado
a noite se transforma em clarão

e canto debaixo da lua cheia
sou a folha solta que esvoaçou
e leve e livre e cheio de felicidade
sou um menino gritando de amor

e quanto mais vivo e sinto amar
mais meu pássaro sente liberdade
e alcança a nuvem e alcança o céu
e da solidão jamais sente saudade.


Rangel Alves da Costa

Meu Silêncio, Tua Palavra – 19


Rangel Alves da Costa*


O meu silêncio pergunta: O homem está preparado para ser levado perante o juízo de Deus?
A Tua palavra diz: “Porventura estará firme o teu coração? Porventura estarão fortes as tuas mãos, nos dias em que eu tratarei contigo? Eu, o Senhor, o disse, e o farei” (Ezequiel 22:14).
Não se trata de ameaça divina, muito menos de imposição para que o homem seja obediente, apenas uma lembrança de que a qualquer tempo será levado a prestar contas de suas ações. Muitos homens não temem tal encontro e simplesmente porque já vivem à procura de Deus na vida terrena. Não só o procuram como o encontram, pois Deus está dentro daqueles que lhes são obedientes, que preservam sua religião e seguem seus ensinamentos. A fé e a observância aos preceitos sagrados são, ao mesmo tempo, a força da permanência na terra e o testemunho maior na hora do julgamento. E Deus sabe reconhecer os filhos obedientes. Mas quanto aos outros, àqueles que vivem distantes do sagrado ao coração e à vida, estes temerão o encontro perante o juízo eterno. E pelas razões que o mundo viu prosperar na soberba, na iniquidade, na injustiça, no distanciamento da fé e dos preceitos sagrados.


Poeta e cronista
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domingo, 28 de junho de 2015

TINGÓ, O JAGUNÇO


Rangel Alves da Costa*


“Num posso nem dizer que num mato. Vivo disso, ganho pra isso...”.
“Num sei nem quanta tocaia já fiz, quanta emboscada já preparei. E já derrubei mais de dez, disso eu tenho certeza...”.
“Vida desgraçada essa minha. O coroné meu patrão me paga pra derrubar inimigo, pra entregar aos urubu seus desafeto...”.
“Nem sei se todo mundo que matei merecia morrer. Tarvez nenhum. Num tenho nada com briga de gente grande, com encrenca dos outro, mai...”.
“Sei que meus óio já miraro muita gente inocente, muito pobe coitado que nem eu. Tomem sei que meu dedo já puxou gatio pa gente que num devia morrer...”.
“Nunca me esqueço quano o coroné mandou derrubar Véio Crimero. Mandou matar o pobe coitado só pruque o homi num quis vender seu pedacinho de terra pru doi vintém...”.
“Adespoi, achano pouco, enxotou a famia toda do defunto. Eu mermo fui duns que foi até a casinha véia ameaçar a coitada da viúva. Ou arribava dali ou todo mundo ia pa debaixo do chão...”.
“Marvadeza demais do coroné, bem sei. Mai o pior é que o poderoso num faz nada, só manda, só ordena. E quem acaba fazeno o seuviço de ameaça e morte é a jagunçada...”.
“Deus sabe o quanto me arrependo de ter entrado nessa vida. Juro pru Deus que num nasci pra essa vida não. Mai fazê o que nesse sertão que entrega ao home a mai triste sina?...”.
“Entrei nessa vida aina novo, e num faz munto tempo. Mai hoje já me sinto enveiecido demai, uma pessoa com o dobro da idade da que trago agora...”.
“Pru que assim? Munto faci de arresponder. A curpa cumeno o juízo, o arrependimento varejano pru dento, o remorso da peste num deixano nem dormir nem viver...”.
“Que ninguém diga que num sente assim pru que tá mentino. Já vi jagunço arrancar os própio miolo adespoi de endoidar de tanta mardade feita. O home parecia uma coisa do outo mundo...”.
“Quixabera, um dos maió jagunço que já pisou por aqui se acordou no meio da noite berrano. Adespoi deu pa andar de quato pé e desse jeito se meteu na mataria até sumir...”.
“Tarvez seja essa a sina de nóis todo, de todo que mata de mando, de tocaia, de emboscada. Tem gente que se acha valente demai, mai adespoi o esprito parece que fica cracomido e acaba na maió tristeza do mundo...”.
“Quem sou eu, meu Deus? Um nada, um zé-ninguém, um desgraçada de um matador de uma figa. Que home sou sem a arma na mão, sem a cartucheira empinhada pa mostrar valentia?”.
“Um covarde que sou, um desumano que sou, num sou mermo é nada. Triste daquele que pensar que tá fazeno bom negoço viver ganhano vintém pa fazer o sangue de gente de famia jorrar pelas estrada, nos caminhos desse mundão...”.
“Inté hoje, mermo já tenho feito tanta mardade, num tenho nada que seja meu. Num tenho casa, num tenho um pedaço de chão, nada. Nem famia eu tenho, só esse mundo que num é meu...”.
“Queria mermo era arribar daqui. Mai sei que é munto difici. Dessa vida só se sai fugino do mardito patrão. Se o coroné suber que quero deixar de ser jagunço entonce quem vai ser tocaiado sou eu. Sei disso. Assim já aconteceu com Vadão e Porqueirinha...”.
“Uma vez entrado nessa vida, o destino é viver com as mão suja de sangue inté o fim. Tem gente que enveiece jagunço e adespoi é abandonado como cachorro sarnento. Jagunço sem serventia num interessa a coroné argum...”.
“Num sei quantos ano tenho agora. Mai sei que já me sinto enveiecido pru dento. No dia que eu faiá a pontaria quem vai servir de comida de urubu sou eu...”.
“Mai num sei o que fazer não. Tarvez arribe daqui no escondido. Tarvez eu me junte aos home de outo coroné, o coroné Espaciano. Mai tudo a merma coisa. Tudo a merma vida de jagunço, de morte e sem futuro...”.
“Que Deus escute o que digo, se é que aina mereço ser ouvido. Mai se minha mão de sangue pudesse ser lavada em troca de sarvação, entonce agorinha mermo eu dava cabo de minha pórpia vida. Mai se que vou ter que morrer pa sofrer aina mai...”.
“E sofrimento aina pior dos que tanto já fiz calar o gemido com mai uma bala no meio da testa. Mai isso num é vida. Num sei o que é, mai isso num é vida...”.


Poeta e cronista
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Canção ao mundo meu (Poesia)


Canção ao mundo meu


Por que além do sol e além da lua
haverá um canto de galo no alvorecer
uma porta e uma janela abertas
para as cores singelas do amanhecer
e um cheiro bom de café torrado
que vai muito além da chaleira antiga

além do bicho ciscando na terra
haverá a porteira se abrindo ao mundo
um homem que lida na lide da vida
uma mulher estendendo roupa no varal
e um fogão crepitando a esperança
que vai muito além do grão na panela

e além de João, Maria e Zefinha
haverá um pequenino ainda sem nome
um santo na parede que protege a vida
um rosário guardado no velho oratório
e um povo de fé incontida e luta renhida
cultivando no coração o seu mundo sertão.

Rangel Alves da Costa

Meu Silêncio, Tua Palavra – 18


Rangel Alves da Costa*


O meu silêncio pergunta: Com a corrupção da terra pelas ações humanas, qual o futuro da humanidade?
A Tua palavra diz: “A terra, porém, estava corrompida diante da face de Deus; e encheu-se a terra de violência. E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra. Então disse Deus a Noé: O fim de toda a carne é vindo perante a minha face; porque a terra está cheia de violência; e eis que os desfarei com a terra” (Gênesis 6:11-13).
Será que agora se repete os tempos bíblicos de Noé, quando a terra corrompida foi varrida pelas águas objetivando sua purificação? Muito mais que na gênese dos tempos, o mundo atual está totalmente perdido pela ação humana. Por todo lugar a corrupção, a violência, a morte, o ódio, a guerra, a discórdia, a blasfêmia, a permissividade desenfreada, o pecado. A crença no Deus verdadeiro foi abdicada em muitos corações, deuses mundanos se espalham aos montes, grande parte da humanidade converteu-se ao fanatismo odioso e mortal. Não precisa profecia do fim dos tempos para saber que a humanidade está se autodestruindo, e de modo tal voraz que não haverá nem tempo para a escolha de um novo Noé. Apenas o fogo, a dor e o sofrimento como sentença final àqueles que escolheram trilhar sem qualquer obediência aos mandamentos de Deus.


Poeta e cronista
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sábado, 27 de junho de 2015

A ARTE DA OPRESSÃO CORONELISTA


Rangel Alves da Costa*


Basta falar em opressão e logo vem à mente a ideia de sujeição, dominação, exploração, escravização, submissão e muito mais. E tudo no sentido de imposição através da força, do mando autoritário, da negação de direitos, da violência no trato com subordinados, no aniquilamento de forças que se opõem ao autoritarismo. E também a expressão famosa dizendo que o poder oprime. E como oprime. Aliás, não há nada mais opressor que o poder, seja governamental, senhorial ou hierárquico.
Coronel Anfilófio Cabroeira era mestre na arte da opressão e certamente deixou muitos discípulos. No seu reinado latifundiarista nos tempos idos, não só mandava no bicho como em gente. O tratamento era igual, e por vezes o jumento tendo mais direitos que o trabalhador de suas imensas propriedades. Uma vez sob o seu jugo, dificilmente a pessoa saía se reconhecendo como tal, e assim de tanto ser submetido às situações mais degradantes e desprezíveis ao ser humano. Procurava o trabalho duro porque precisava sobreviver e sempre achava que bastava fazer parte, receber seu salário e pronto. Ledo engano.
O velho coronel não era flor que se cheirasse, como segredava o vigário às escondidas. Mantinha o trabalhador escravizado, humilhado, sem reconhecer qualquer direito próprio do ser humano. Como dito, este era tido como bicho ou abaixo disso. Não admitia, por hipótese alguma, que outro proprietário da região pagasse valor acima daquele por ele praticado. Segundo dizia, não se podia valorizar aquilo que era feito por necessidade. E fez mais. Mandou espalhar que todo mundo já estava ganhando bem demais e que aumento de salário só depois de dez trovoadas. Ora, num lugar de seca pra mais de dois anos cada uma, esperar dez trovoadas era demais. E logo veio a insatisfação do sacrificado trabalhador.
Foi o próprio vigário que começou a colocar lenha na fogueira. Disse que queria ver agora se aquele povo todo não tinha coragem de exigir aumento imediato ao coronel. Coitado do da igreja. Assim que o poderoso soube da conversa mandou fazer emboscada na própria sacristia. E foi a partir daí que o inesperado aconteceu. Os trabalhadores cruzaram os braços e disseram que não iam mais roçar nem um tantinho assim de terra até que o coronel lhes pagasse o justo valor do trabalho. Quando soube dessa história, o poderoso nada disse, apenas chamou um capataz num canto e falou ao ouvido.
Um enviado do capataz chegou ao líder do rebelde movimento anticoronelista e disse apenas que se no dia seguinte todo mundo não estivesse pegando na enxada, vaqueirando o gado, dando comida e água aos animais, fazendo o serviço que muito bem recebiam para fazer, então não havia outra saída senão matar todo mundo. Pela ordem do coronel, àquela hora já era para o sangue estar lameando as estradas, mas o seu superior achou por bem dar aquela oportunidade. Mas estavam avisados: ou voltariam no dia seguinte ou o lanho ia se tornar em sangue, o sangue em ferida e a ferida em morte.
O líder do movimento apenas ouviu o recado, sem dar qualquer resposta ou dizer qualquer coisa. Assim que o emissário virou a curva da estrada em galope, o rebelde mandou reunir o maior número possível de trabalhadores. Precisava falar sobre o recado recebido e a ameaça de morte acaso não aceitassem as ordens do dono do mundo. Após relatar o ocorrido, o que ouviu de todos foi de espantar. Ninguém estava disposto a se dobrar ao coronel. Preferiam a morte a se ajoelhar aos pés daquele desgraçado carnicento. Então sugeriram o inesperado: Antes que mande matar, então será preciso que ele morra!
E acertaram de invadir a casa-grande assim que anoitecesse. E dariam cabo não só do velho como de qualquer capataz ou jagunço que tentasse impedir a vingança dos humilhados. Tudo acertado, só não contavam que em meio aos subjugados havia um traidor. Com efeito, sem que ninguém desconfiasse de nada, logo em seguida o cabra enveredou pelo mato e foi parar na fazenda grande. Quando soube do que se tratava, prontamente o poderoso ordenou que fosse trazido à sua presença. Foi recebido com abraço, brindou a informação com aguardente, recebeu uma boa quantia pela presteza. E também a garantia de um emprego melhor. Mas não chegou nem a atravessar a porteira. Recebeu um tiro por trás que caiu esparramado no chão.
Já sabendo de tudo, o coronel logo cuidou de dar jeito na situação. Deu ao capataz a incumbência de salvar sua vida e a de jagunçada, e utilizando o artifício da mentira. Mandou informar aos rebeldes que tinha repensado toda aquela questão e não havia como não reconhecer os seus direitos. E que todo mundo podia retomar os trabalhos já na manhã seguinte, pois a semana já seria paga com o aumento desejado. Promessa esta que acabou ludibriando a sertanejada.
O ataque foi deixado de lado e todo mundo retornou aos seus ofícios. E foi a partir de então que começou o desaparecimento de trabalhadores. Eram mortos no meio do mato pela jagunçada e enterrados em cova rasa. A situação ficou assustadora e logo começaram a suspeitar que tivesse o dedo do coronel por trás daqueles sumiços. Mas não demorou muito para que o pior acontecesse. O poderoso mandou espalhar entre os escravizados que ou faziam de conta que ninguém havia morrido e continuavam apenas fazendo o que lhes cabia, sem aumento algum, ou cada um iria pra debaixo do chão como os outros.
O coronel morreu com mais de cem anos. Já caduco, completamente insano, mas ainda assim se comprazia em humilhar, submeter, ver o sofrimento de cada humilde trabalhador.


Poeta e cronista
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A força que vem do amor (Poesia)


A força que vem do amor


Caminhar pela estrada
e sem receio ou cansaço
por que em direção ao amor

viver pela vida afora
levando sempre a felicidade
por que na certeza do amor

amanhecer e anoitecer
com sorriso e espírito alegre
por que convivendo no amor

por que é tudo na vida
o amor não deveria negar-se
a conhecer todos os corações

por que alimenta a vida
o amor deveria ser o leito fértil
para todos semearem seus sonhos.


Rangel Alves da Costa

Meu Silêncio, Tua Palavra – 17


Rangel Alves da Costa*


O meu silêncio pergunta: Quais as consequências das transgressões das Leis do Senhor, ainda que apenas uma delas seja desobedecida?
A Tua palavra diz: “Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos. Porque aquele que disse: Não cometerás adultério, também disse: Não matarás. Se tu pois não cometeres adultério, mas matares, estás feito transgressor da lei” (Tiago 2:10,11).
As Leis do Senhor são claras, e foram concebidas através dos Dez Mandamentos: 1. Amar a Deus sobre todas as coisas. 2. Não tomar seu santo nome em vão. 3. Guardar domingos e festas de guarda. 4. Honrar pai e mãe. 5. Não matar. 6. Não pecar contra a castidade. 7. Não roubar. 8. Não levantar falso testemunho. 9. Não desejar a mulher do próximo. 10. Não cobiçar as coisas alheias. O que se exige é que sejam respeitadas na sua totalidade sob pena de que qualquer transgressão a apenas uma delas torne inócuo o respeito às demais. É uma norma taxativa, que não aceita exclusão. Contudo, de cunho demasiado austero diante da fragilidade humana. Ora, o mundo é permeado de ameaças, tentações, fragilidades, instigações à desobediência. Para sobreviver, ainda que com dignidade e pureza na alma, o ser comete erros e até reincide nos desvirtuamentos. Será que praticar um furto famélico (com a única intenção de que o produto furtado seja para alimentar) é crime perante a Lei de Deus? Será que a rígida observância da castidade ainda tem prevalência no mundo moderno? Será sempre pecado infringir a Lei quando não pode nem deve agir de outra forma? A rígida observância de tais preceitos levaria a uma espécie de santidade terrena que nem mesmo os religiosos que professam o sacerdócio obedecem rigidamente. Ademais, o pecado existe e sempre existirá. O que deveria ser acrescido nas palavras de Tiago é que o cometimento de pecado contra a lei será julgado, segundo a infração cometida, no Juízo Final, e não generalizar, como se fosse possível ao homem viver imune ao cometimento de erros e deslizes.


Poeta e cronista
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sexta-feira, 26 de junho de 2015

O MITO E O MÍSTICO EM LAMPIÃO


Rangel Alves da Costa*


O mito e o místico numa só pessoa. O lendário e o temente num único ser humano. O emblemático e o espiritualizado no mesmo cidadão. Assim era Virgulino da Silva, assim era Lampião, mas sempre considerando que aquele se contrapôs a este em muitos aspectos, e este clamou para ser o outro em muitas situações. E assim por que em muitos momentos Lampião quis ser apenas Virgulino. E também em muitos instantes este se despiu de muitos sentimentos para dar impulso ao Lampião.
Poucos foram os viventes que alcançaram tanto a mítica como o místico. Não é qualquer um que ao longo dos anos – e muito tempo depois de sua morte - vai aumentando o reconhecimento e a admiração ao redor de seu nome, ainda que o conceito de alguns seja pela negação de sua conduta. Igualmente difícil ao ser humano ter construído sua história em meio a lutas sangrentas e mais tarde ter valorizado seu lado que não foi desumanizado pelos ódios derramados a cada passo. E Lampião, que se aceite ou não, transformou-se num mito, cujo elemento mítico ou místico, de cunho religioso, esteve presente no Virgulino até o último sopro de vida.
Contudo, urge que se esboce uma ligeira noção acerca do que os livros definem como mito e como místico. O mito é uma representação simbólica produzida pela mente humana, é a concepção de sobrenatural ou de força superior destinada ao endeusamento ou à heroicização. É algo visto como fora da realidade, que é de difícil explicação racional. Pode surgir de fatos ou acontecimentos históricos ou de valores culturais enraizados no povo e transformados em lenda, em heroísmo, em divinização. O passar dos anos tem o dom de aprofundar mais ainda a concepção mítica do herói mentalmente firmado.
Por sua vez, o termo místico tem um sentido religioso, de espiritualidade e devotamento, de acatamento e prática de determinados ritos de fé. O ser místico é aquele levado ao misticismo, cujas crenças pessoais acerca dos poderes divinos o tornam adepto de determinados preceitos religiosos. O místico geralmente é um ser contemplativo, de robusta devoção, demasiado crente nas forças e poderes divinos, alguém que sempre invoca proteção superior. E os relatos demonstram Virgulino Ferreira da Silva como um homem profundamente religioso e com rituais próprios de veneração a Deus, santos e anjos.
No caso específico do cangaceiro de Vila Bela, o mito e o místico possuem fronteiras precisas, limites reconhecíveis. O mito está em Lampião, no maior dos cangaceiros entre todos já existentes nas terras nordestinas, no líder hábil e inteligente, no estrategista que fazia de um rochedo ou de tufo de mato um campo impenetrável de guerra. Mito este criado a partir do desempenho do bando sob sua liderança, do poder de arregimentação, do círculo de poderosas amizades que soube tecer, do seu reconhecimento e até veneração por todo o mundo sertanejo e citadino.
Mito também pela história que construiu. Ora, ninguém se torna fenômeno por um fato ou outro na sua passagem terrena, mas sim pelo percurso de luta, bravura, destemor, enfrentamento dos poderes então constituídos. Ou será negada a Lampião sua valentia na luta contra a opressão sertaneja que chamou para si? Será que vale a pena desmitificar ou simplesmente desconhecer a história de um homem de pouco estudo, de família humilde, arribado de casa desde ainda moço, e que construiu um império de bravura ao seu redor? Quantos sertanejos fizeram, a partir da caatinga, estremecer as estruturas do poder coronelista, patriarcal, impiedoso? E foi tão perseguido porque representava a força do sertanejo ante a tirania do Estado. Assim foi sendo construído o mito Lampião.
Ao lado do mito, o hoje reconhecido misticismo no ser humano batizado como Virgulino Ferreira da Silva, no homem lutando sobre a terra e temendo e devotamente se apegando às forças do céu. Levava consigo armas, munição, instrumentos de guerra. Mas também rosários, imagens sacras, instrumentos de devoção. Quando as balas silenciavam e os gritos de horror se calavam, quando o tempo de guerra fingia um tempo de paz, então o Capitão se voltava para si mesmo, para reacender as chamas de fé que levava consigo. Meditava sobre sua situação de vida, intimamente se afligia, mas procurava na oração e nos rogos aos seres celestiais o fortalecimento espiritual e a proteção desejada.
Os relatos de hoje revelam o fervor religioso de Virgulino, o seu máximo respeito às coisas sagradas, o seu profundo senso de devoção. Rezava todos os dias e levava consigo algumas orações, principalmente para manter o corpo fechado. Tinha devoção especial por Padre Cícero, a quem tinha como verdadeiro santo nordestino. Não admitia que cangaceiro de seu bando menosprezasse as coisas sagradas e tinha predileção especial por Santa Luzia e São Jorge. Uma para dar esperança de visão ao seu olho sem luz, e o outro por ser guerreiro.
Parece ser contraditória tanta religiosidade naquele que pouco tempo teve para viver senão para guerrear. Mas assim aconteceu. E coisas assim somente acontecem com quem um dia nasceu para ser mito.


Poeta e cronista
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La luna lua (Poesia)


La luna lua

La luna
outro nome
da lua
daqui
de acolá
sobre a terra
sobre o mar
aonde for
a brilhar
sobre o amor

em España
la luna
por la noche
y brila
suave y dulce
una dulce flor
e por aqui
a lua desce
e beija o rubor
da face
já afogueada
de amor.


Rangel Alves da Costa

Meu Silêncio, Tua Palavra – 16


Rangel Alves da Costa*


O meu silêncio pergunta: Por que sofremos também os sofrimentos de Jesus Cristo?
A Tua palavra diz: “Até quando te esquecerás de mim, SENHOR? Para sempre? Até quando esconderás de mim o teu rosto? Até quando consultarei com a minha alma, tendo tristeza no meu coração cada dia? Até quando se exaltará sobre mim o meu inimigo? Atende-me, ouve-me, ó Senhor meu Deus; ilumina os meus olhos para que eu não adormeça na morte; para que o meu inimigo não diga: Prevaleci contra ele; e os meus adversários não se alegrem, vindo eu a vacilar. Mas eu confio na tua benignidade; na tua salvação se alegrará o meu coração” (Salmos 13:1-5”.
A verdade é que por maior força que a pessoa tenha, por mais fé que possa expressar e por maior crença que possa ter no Senhor, às vezes se enche de tamanha aflição que se dobra em joelhos implorando amparo. São momentos difíceis e que até colocam em prova toda a fé do ser humano. Ora, de repente, diante de tantas atribulações, começa a se perguntar qual valia possui sua religiosidade, sua fé, sua devoção, sua prece, sua obediência aos ensinamentos. E prostrado em contrição, com a alma ferida e o espírito aflito, se lança no derradeiro rogo. Mas eis que surge o tempo de Deus e o seu poder de tudo ver, tudo sentir, perante tudo agir. E sua resposta não tardará a chegar, pois aqueles que são verdadeiramente filhos jamais serão abandonados pelo Pai.


Poeta e cronista
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quinta-feira, 25 de junho de 2015

BORBOLETAS NA JANELA


Rangel Alves da Costa*


Tempos difíceis são os tempos do homem que imagina avistar borboletas na janela.
Na ficção, em Cem Anos de Solidão, Garcia Márquez fez com que borboletas amarelas voejassem onde Meme Buendía e Maurício Babilônia estivessem. E também o dramaturgo Aguinaldo Silva em Pedra Sobre Pedra espalhou borboletas sobre o corpo de Jorge Tadeu e elas continuaram aparecendo no quarto de suas amantes.
Para além do realismo fantástico ou do maravilhoso na literatura e na dramaturgia, as borboletas surgem às janelas de vez em quando. Chegam para encantar a vida, para trazer cores em dias sombrios e tristes.
Nos interiores e povoações onde a pujança da natureza faz vizinhança com as moradias, não é difícil que borboletas ultrapassem portas e janelas ou pousem nos umbrais e depois adentrem para passeios pelas acomodações.
Nos grandes centros urbanos, nas cidades de cimento, asfalto e ferro, ninguém espere encontrar facilmente os encantadores insetos batendo suas asas multicoloridas. Elas não estarão nos umbrais nem pousando acima do porta-retratos.
Mas ainda assim, mesmo não havendo um só jardim, praça ou canteiro pelos arredores, muita gente cada vez mais busca o encantamento das borboletas nas janelas.
Mesmo em locais sem janelas, em apartamentos que mais parecem cubículos, em aposentos sem contato nenhum com a natureza ou mundo lá fora, pessoas insistem em avistar borboletas nas janelas.
Talvez seja a síndrome da ilusão como fuga ou a fuga através do idílio, da fantasia, do inexistente. Algum sábio certamente diria que o homem finge avistar aquilo que o seu medonho mundo não mais permite ter, ver ou sentir.
Nos tempos modernos, duros como o ferro e frágeis como a ferrugem, a visão das borboletas possui uma simbologia tão dolorosa quanto encantadora.
Dolorosa porque uma necessidade espantosa de encontrar qualquer coisa que cause uma boa sensação aos sentimentos. É como se o homem precisasse encontrar um encantamento à vida a qualquer custo. Daí o encantamento com a simbologia das borboletas na janela.
As borboletas não estão ali, não podem estar nem jamais estarão naquele lugar, naquele umbral de janela, mas é tão grande a necessidade de encontrar e se encantar com qualquer coisa bela, que o ser humano acaba avistando aquelas cores maravilhosas nas asas que alegremente valseiam.
Não há janela, não há umbral, não há borboleta. Talvez um quarto sombrio, escuro, melancólico, triste, sem a possibilidade de se avistar qualquer coisa que se faça presente pelo ar. Contudo, em instantes e situações assim é que as borboletas costumam aparecer como mais cores e mais beleza.
O distanciamento do homem moderno das pequenas e belas coisas da vida, o afastamento deste homem da natureza e, consequentemente, sua vida totalmente direcionada ao maquinismo burocrático da sobrevivência, certamente que o faz perder a sensibilidade perante as coisas simples que provocam bons sentimentos e alimentam a alma e o espírito.
Contudo, chega um tempo que o homem se sente sufocado, oprimido, aprisionado, sem saída, necessitando urgentemente de liberdade para reencontrar-se e novamente poder sorrir, brincar, realmente viver. Mas nem sempre é possível a ruptura entre este e as exigências do mundo. Ao se sentir aprisionado, então começa a avistar borboletas na janela.
Os olhos precisam encontrar uma bela paisagem, algo confortante à alma, que cause sensações de paz e de libertação. Mas os muros do mundo não permitem. Então avista borboletas na janela. Precisa caminhar, correr, subir montanhas, se refrescar sobre a relva, declamar a poesia da natureza. Mas as portas não se abrem para que assim aconteça. Então começa a avistar borboletas na janela.
Numa síntese, as borboletas na janela seria a metáfora da realidade desejada ante a dolorosa realidade vivenciada. O homem quer ser feliz, quer se libertar, quer alcançar o comum da vida, quer reencontrar as graças e as grandezas da vida, mas a sua realidade opressora não permite. Então começa a fazer da ilusão, da imaginação e da fantasia, uma janela.
E avista borboletas esvoaçando alegres ao olhar em direção à janela. Certamente que não estará enlouquecendo e nem precisará ir até lá verificar como aquilo pode ser possível. Todas as respostas estão dentro de si. Precisa avistar borboletas, simplesmente assim.
Precisa avistar borboletas para que os sonhos não se percam, os desejos não adormeçam, as alegrias não se percam, o seu lado humano continue vivo e pulsante. Nas borboletas a sensação de que é preciso viver para que as ilusões se tornem realidade além da janela e de tudo no mundo que não permita voar.


Poeta e cronista
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Flores (Poesia)


Flores


O pássaro voa distâncias
trazendo no bico um ramo de flor
a formiga segue distâncias
levando nas costas uma bela flor
a ventania chega em voo
e leva nas asas uma pétala de flor
o jardineiro cuida da planta
e depois recolhe uma linda flor
e todos têm seus motivos
para recolher e levar flor a flor
e o que será senão o amor?

mas eu ando com uma flor à mão
e quanto mais procuro entregar
mas continuo com a flor à mão
e o que será senão minha solidão?


Rangel Alves da Costa

Meu Silêncio, Tua Palavra – 15


Rangel Alves da Costa*


O meu silêncio pergunta: Por que sofremos também os sofrimentos de Jesus Cristo?
A Tua palavra diz: “Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados. Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos; trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também nos nossos corpos” (2 Coríntios 4:8-10).
As palavras são claras: O homem que crê, ainda que sofra, terá renascida sua felicidade. Tudo no exemplo do sacrifício e na ressureição de Cristo. Eis que sofreu, padeceu, foi crucificado e, no entanto, renasceu para reinar sobre a terra. Então, como uma imitação de Cristo, o homem também é exposto às dores, tormentos e angústias. Mas sua fé o fará renascido como uma promessa de vida. Ademais, aquele que faz da fé um compromisso de vida e no seu coração mantém vivos os ensinamentos, já terá assegurado seu reconhecimento e não se verá lançando-se em súplicas: “Deus, meu Deus, por que me abandonaste?!”.


Poeta e cronista
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quarta-feira, 24 de junho de 2015

AS MANHÃS DOS DIAS


Rangel Alves da Costa*


O dia acaba, a noite vem. Depois da noite o alvorecer, os primeiros sinais das manhãs da vida.
A cama acolhe o cansaço, o sono repara as forças, o sonho propicia uma realidade totalmente diferente.
Os sonhos não permanecem e o ser tem que voltar ao seu mundo de dormência para depois acordar.
O relógio biológico não tarda a avisar. Também o despertador, o galo cantando, a fresta de luz que entra pela janela.
Lá fora um tempo ainda sonolento, mesclado de cores sombrias e douradas. Ainda não há sol, somente a tênue claridade que se espalha nos horizontes.
A natureza já despertou desde muito. As árvores pulsam através dos galhos que se movem e das folhagens que tremulam.
Surgem os primeiros sons no meio da mata, os primeiros cantos, os gorjeios matinais. E logo a passarada estará fazendo festa por todo lugar.
A fruta verdosa já amanhece vistosa no pomar. As frutas não dormem se maquiando no espelho da noite para surgirem coloridas ao amanhecer.
No jardim ainda orvalhado, a flor vai desabrochando lentamente. O verde da planta vai dando lugar a um rosáceo encantador.
Borboletas, colibris, abelhas, todos despontam em meio à natureza e logo voam em direção ao jardim. A festa de toda manhã.
Ainda sonolentos, os olhos se abrem para as visões do dia. Os passos lentos se encaminham para mais adiante em direção à janela.
As janelas sempre se abrem para uma vida nova, ainda que seja desalentadora a primeira paisagem avistada.
As janelas nunca se abrem para a mesma paisagem. Encontram muros, cercados, jardins esturricados, asfalto, chão batido, terra, ou a pujança da natureza.
Sorte na vida de quem acorda para um alvorecer sertanejo. Além da janela ou após a porta há sempre um motivo bom para a felicidade.
As manhãs sertanejas possuem uma formosura diferente da de qualquer outro lugar. Os sons tão próximos da natureza, os animais ao redor, a singeleza da vida.
Desde a madrugada que a vida sertaneja se impõe. Não dura muito e o cheiro do café torrado, o cuscuz de milho perfumando os quintais. Uma xícara de café e de contentamento.
Os centros urbanos geralmente negam ao olhar esse primeiro sorriso. As ruas petrificadas, os barulhos que já se elevam, a pressa nos passos, a frieza em tudo.
Mecanizada e burocrática é a manhã da cidade. O relógio que marca e avança, o tempo que passa, o medo de se atrasar, a correria desde aquele momento.
Na cidade, poucas são as pessoas que despertam para a manhã. O citadino não conhece o sentido do encontro matinal com a vida, sequer sabe o que é colher uma fruta no quintal.
Mas todas as manhãs, sejam no campo ou na cidade, possuem uma significação que poucos dão importância. Há de saber que amanhecer é também despertar para nova vida.
Nova vida por que o bom ou ruim do dia ou da noite passada não persistirá do mesmo modo. O que for bom será aprimorado, o que foi difícil será transformado.
As manhãs da vida são como chances de fazer diferente. Por isso mesmo que nascem esperançosas. A pessoa sempre acorda com um pulsar diferente, mais ânimo e confiança.
Amanhecer é construir o mundo desde que levanta ao abrir a porta. O que passou ficou para trás. Então é preciso viver significativamente a partir da nova caminhada.
Caminho novo surgido a cada manhã. Mas é preciso sorrir para a vida desde o abrir a janela. Ninguém procura a felicidade levando sombras no coração.
Então tenha um bom dia!


Poeta e cronista
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Fogo de fogueira (Poesia)


Fogo de fogueira

É São João
um fogo de fogueira
na flor do tição
labaredas crepitando
no meu coração

sinto a chama
um fogaréu ardente
que a tudo inflama
não quero as cinzas
no peito que ama.


Rangel Alves da Costa

Meu Silêncio, Tua Palavra – 14


Rangel Alves da Costa*


O meu silêncio pergunta: Como comparar a riqueza de Deus diante da riqueza material da vida?
A Tua palavra diz: “Puseste alegria no meu coração, mais do que no tempo em que se lhes multiplicaram o trigo e o vinho. Em paz também me deitarei e dormirei, porque só tu, Senhor, me fazes habitar em segurança” (Salmos 4:7,8).
Aquele que tem o Senhor no coração é o mais afortunado entre os homens. A dádiva do amor a Deus é celeiro que nunca seca nas estações mais difíceis. Mesmo vivendo na humildade, não tendo muito além do que o lar e parcos meios de sobrevivência, há no coração do fiel uma riqueza infinita, e tão grandiosa que o torna o mais fortalecido entre todos os que se dizem fortes. A riqueza de Deus não se mostra em conta bancária, no luxo, na ostentação, no poder material sobre as coisas mundanas. Pelo contrário, é no cofre do coração, no baú dos sentimentos, na arca da fé, onde brilha fulgurantemente a grandeza do homem. Incomparavelmente grandioso será este homem de fé, este homem que nada possui além do que Deus no coração. Por isso mesmo que possui na alegria da vida o espelho maior de sua riqueza.


Poeta e cronista
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terça-feira, 23 de junho de 2015

CHUVA NA MADRUGADA


Rangel Alves da Costa*


Acordei cedo demais, ou na noite escura demais. Ainda no nascer da madrugada e eu já estava fora da rede. O palco da banda de forró parecia no meu quintal. Toda vez que há show na área dos mercados todo o som parece se deslocar para cá. E quanto mais ventania mais os ecos invadem a casa inteira.
Mas não acordei cedo demais por causa do barulho da festança junina. Se o forró é bom, também deleitoso escutar. Mas quando quero dormir, continuar na minha rede de toda noite, tanto faz que um trio elétrico mostre toda sua potência à minha porta. Creio que eu repousaria tranquilo até mesmo no meio do fuzuê.
Acostumei acordar muito antes de qualquer galo e não tem jeito. Já dormi demais e tenho de aproveitar cada instante da vida, desde a madrugada escura. No passado, há cerca de seis anos, estive por treze dias em estado de coma induzida e talvez tenha dormido demais. Mas a transformação do relógio do sono foi por outro motivo, ainda que relacionada àquela enfermidade.
Assim que deixei a unidade intensiva fui levado para um quarto no hospital. A todo instante chegava um enfermeiro, quando não um médico, para os mais diversos procedimentos. Remédios, verificação da pressão, inalação medicamentosa, uma série de cuidados. Como tudo era controlado, com hora marcada, a noite inteira eu era despertado para tomar medicação.
Quer dizer, fui forçado a despertar no meio da noite e não ter mais sono. Recebi alta, deixei o hospital, me recuperei, mas o acordar na madrugada resolveu me acompanhar até agora. Ainda hoje, assim que abro os olhos, é como se avistasse uma enfermeira com um copinho plástico com comprimidos e outro com um tanto de água.
Foi por isso que nunca mais dormi até cinco ou seis da manhã. Quando durmo muito acordo às três, mas antes disso geralmente já estou em pé. E após levantar sempre a mesma coisa: acender a vela, orar, tomar banho, ferver água para o café forte e sem açúcar, depois me sentar diante da máquina para escrever.
Mas nem sempre assim acontece. Quando acordo e está chovendo – com chuva forte principalmente -, meus afazeres de sempre são um pouco modificados. Gosto de sentir a chuva caindo, aprecio seu som em meio ao silêncio, sinto prazer em mirar seus mistérios e imaginar seus segredos.
No quintal, em meio a biqueiras e debaixo dos pingos, é como se uma vida nova caísse sobre mim, uma purificação da alma que alegra o espírito. No meio da escuridão sem lua, envolvido pelas águas novas e no silêncio murmurante, apenas viver a poesia do instante sem pensar além dos doces e bons mistérios que nos acontecem.
Também no portão da frente há muito que aproveitar. Afasto as cortinas e fico observando a chuva caindo e o que adiante acontece. Nesta hora, de ruas desertas e vidas ainda adormecidas, o que acontece sequer faz imaginar naquilo que se transformará logo mais, quando a manhã chegar, as portas se abrirem e as pessoas tomarem seus caminhos.
Mas o que acontece? Apenas o singelo, o sublime, o belo. O negrume do asfalto molhado, tomado de água que lentamente escorre, também é avistado como um espelho levemente dourado pelas luzes dos postes. E as luzes amareladas não conseguem esconder a feição dos pingos que vão caindo. Então a chuva é avistada descendo até tocar no asfalto para escorrer.
Talvez isto não tenha qualquer significação para muitos. Até mesmo porque apenas chuva caindo no meio da noite, na madrugada. Mas penso e sinto o contrário. Não só na noite ou na madrugada, mas a qualquer instante, após a vida banhada resta-nos perfumá-la com as melhores essências que possamos oferecê-la. E perfumada também será nossa existência, pois vida nova, esperançosa, renascida.


Poeta e cronista
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Promessa do coração (Poesia)


Promessa do coração


Se um dia confessei amar
se um dia jurei que amava
eterna será minha revelação
para sempre o meu juramento
jamais será negada a palavra
nem calada a voz do coração

ainda que a união se desfaça
ainda que a boca não beije
ainda que o braço não abrace
ainda que tudo pela metade
ainda que somente a saudade
ainda assim a jura e a confissão
e assim para toda eternidade
assim o desejo de um coração.


Rangel Alves da Costa

Meu Silêncio, Tua Palavra – 13


Rangel Alves da Costa*


O meu silêncio pergunta: Como o ser humano deve proclamar a sua religiosidade, de modo que a ação seja maior que a palavra?
A Tua palavra diz: “Se alguém entre vós cuida ser religioso, e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã. A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo” (Tiago 1:26,27).
Como observado, de nenhuma valia a religião proclamada como se estivesse em palanque ou púlpito, em discursos ensandecidos. Os sermões desenfreados, os evangelhos proclamados aos gritos, o nome de Deus sendo proferido aos brados, nada disso simboliza expressão religiosa. Cometem equívocos – e pecam – todos aqueles que se utilizam de microfones para bradar enlouquecidamente a defesa de seu Deus e de sua religião, todos aqueles que erguem Bíblias e aos gritos invocam o nome do Senhor para fins outros que não profissão de fé. A fé é silenciosa, é interior, é calma e pacífica. A religiosidade deve ser reconhecida na prática de boas ações e no resguardo espiritual de cada um, pois a religião deseja somente acreditar na força e no poder divino sobre todas as coisas, principalmente o homem.


Poeta e cronista
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segunda-feira, 22 de junho de 2015

FOLHAS MORTAS (AO VENTO)


Rangel Alves da Costa*


Gostaria de ter a dureza do cedro, a firmeza do diamante, a impassibilidade da rocha. Contudo, sou apenas humano. Portanto, nem o cedro, nem o diamante, nem a rocha. Apenas um vivente com sentimentos, anseios e imperfeições. Quando muito, a ferrugem corroendo os restos daquilo que imaginei ser.
Mas não me curvo às desditas da vida. Avisto a árvore imponente, frondosa, de tronco vasto e folhagens espessas, e digo a mim mesmo que sou assim também. Muito difícil será que eu perca aquela imponência, aquela postura de permanência. Árvore que a nada se dobra, que não se deixa ameaçar.
Assim também com a rocha que parece cada vez mais petrificada e grandiosa. Os anos passam, surgem as tempestades e vendavais, e ela ali com seu cume majestoso. Sou como aquela pedra, digo em confissão. E sem imaginar que a cada segundo dezenas de grãos são levados na passagem do vento, no cair da chuva, nas mudanças da natureza. E um dia, grão a grão, pouco restará de tudo.
A feição efêmera, provisória, inconstante da vida. Em tudo busco a perenidade, a permanência, porém sei que tudo tem seu curso e pede passagem. E vai, e segue adiante sem adeus nem volta. Assim as águas do rio vão desaguando, a árvore ficando nua, o novo cobrando seu espaço de existência. E o antigo, ah o antigo é apenas folha no ardor do outono.
A folha não merecia ter o destino igual o do homem. Diferencia-se apenas pela beleza na vida e pelo tempo curto demais pra viver. O homem de vez em quanto alcança a velhice. Mas a folha sempre parece morrer quando ainda está no mais belo viço da vida. E tão de repente. E muitos olhares humanos acabam velando milhares de folhas ao longo da existência.
Jamais imaginei que a folha tão bela e vistosa pudesse definhar tão rapidamente. O verde tomando a cor amarelada, o amarelo ficando na cor ocre, o ocre se tornando cinzento, e o cinzento já sem vida, sem seiva, sem essência, sem nada. E os restos da vida – uma vida frágil e de braços abertos – esperando somente a passagem da ventania do entardecer para alçar aos espaços, ao chão, ao túmulo de mil folhas mortas.
Que tristeza a vida da folha. Numa manhã, sentado no banco da praça, por longo tempo mirando aquela perfeição da natureza. Desde o tronco da árvore à folha mais alta do galho mais alto, tudo num equilíbrio verdejante de encantar. Ali a seiva pura, a essência, o frescor tingido em verde, a formosura brilhosa. No entardecer do dia seguinte a paisagem já é outra. Melancólica, aflitiva, angustiante.
Há por todo lugar um cemitério de folhas. Nos canteiros, jardins, praças, por dentro do mato, atrás dos muros. Não apenas no outono como nas demais estações, elas se desprendem dos galhos e alcançam o chão já adormecidas para a eternidade. Restos ocres, cinzas, enferrujados, sem cor, apenas folhas mortas.
Há quem sente nos bancos das praças para as sentinelas do adeus. Há um poeta que sempre chega ao entardecer para versejar sobre a vida, a morte e o renascimento das folhas. Há um velho senhor que silenciosamente mira aquele tapete enlutado e depois começa a lacrimejar. E nas tardes, quando o meu passo passa ao redor de tais folhas, prefiro olhar para o alto, para os galhos além, e talvez avistar as vidas que logo se transformarão em pó.
És pó, e ao pó há de retornar. A sentença maior, inevitável. E os exemplos parecem não ter serventia alguma ao ser humano. Nunca percebemos que os outonos sempre chegam, que as folhas morrem, e mesmo assim queremos ser demais, vivemos na ilusão do poder, da riqueza, apegados à ganância e à cobiça, à insensatez.
O tronco da árvore, aparentemente tão forte, também destinado ao definhamento, à lâmina ou à serra, à voracidade do ferro. E ferro que também corrói, enferruja, se dissipa, morre. Tudo com o seu tempo de nascer e morrer. Uma aparente solidez que o tempo transforma em pó e pelo ar da eternidade vai esvoaçando.
Por isso mesmo que não vivo de ilusões. Queria ter a força de cedro, a solidez do ferro, a firmeza do diamante. Talvez um sonho humano. Tudo diferente do que a realidade permite ser: apenas uma folha.


Poeta e cronista
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O diário antigo (Poesia)


O diário antigo


Ainda há um diário
onde no passado
na primeira página
alguém desenhou
uma flecha longa
e na ponta de seta
resolveu escrever
“Aqui jaz um coração”

na página seguinte
com letras trêmulas
escreveu palavras
que ainda emocionam
a quem lança o olhar
“Meu coração estava aqui
e foi ferido pela flecha
e morreu por amor...”.


Rangel Alves da Costa