SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

PRESENTE DE NATAL


Rangel Alves da Costa*


O período natalino sempre chega envolto a múltiplas simbologias. Além do nascimento do menino na humildade da manjedoura, também o renascimento das esperanças. Uma época de reflexões, de entristecimentos e alegrias, de reencontros e revivências. Uma época em que os sentimentos são mais aflorados, as recordações ressurgem com mais pujança e as promessas aliviam as angústias pelo não realizado.
Certamente um momento diferente na vida de cada pessoa. Dificilmente um ser humano que não se sinta, um pouco mais ou um pouco menos, sensibilizado pelo clima próprio do período natalino. As luzes, os enfeites, as canções e as expectativas de confraternização, além do reencontro com o sentido da fé e da religiosidade, tudo isso reflete no íntimo do indivíduo e quase sempre o torna mais humano, compreensivo e afetuoso.
Mesmo que o Natal de agora vá sendo vivenciado de modo muito diferente de outros tempos, algumas características próprias desse momento continuam sendo observadas. Diminuiu-se a significação religiosa advinda com a data, bem como seu sentido de nascimento e renascimento da vida, mas o seu costume de confraternização continua, mesmo que também em menor importância. Talvez muito mais pelo desejo de se distanciar dos dias passados e reencontrar esperanças no ano vindouro.
Mas os tempos estão difíceis e confraternizar implica em participar, em compartilhar, em doar e receber. No mundo consumista como o atual, confraternizar não se satisfaz com um abraço, com um reencontro, com sinceros desejos de paz, saúde, felicidade. Requer muito mais. Sempre implica em muitos gastos, indo desde a ceia aos presentes. Mesmo o bolso vazio e as contas em atraso, não há como deixar de sentir necessidade de comprar um presentinho ou outro. E sempre surge uma lista imensa de pessoas que merecem ser recordadas neste período do ano.
Ao pensar em presentes, em roupas, joias, perfumes, tecnologias e tudo o mais, a pessoa sempre imagina a outra pessoa se ajustando ao número, a forma ou a cor. E assim porque as relações materialistas impedem pensar diferente. Dificilmente alguém pensa em fazer diferente, em, por exemplo, presentear sem objeto de uso pessoal. Presentear o amigo com uma muda de planta, com uma flor e não com um buquê, um saquinho com sementes de árvores frutíferas, com uma fruta colhida no quintal. Não faz assim porque o modismo irrompe como a negação dos sentimentos. Daí a certeza que a pessoa presenteada irá gostar de um perfume e não de um Salmo escrito à mão.
Nesta perspectiva materialista, ou de puro capitalismo, as coisas simples e singelas acabam perdendo significação. Na verdade, ou se atende às expectativas do presenteado - que sempre deseja algum modismo utilizável - ou se corre o risco de se arrepender por ter imaginado que a pessoa se sentiria feliz com um poema escrito numa folha seca. A pessoa até recebe, abraça, diz que está muito feliz pela lembrança, mas por dentro maldiz aquela infeliz ideia. Ora, queria um smartphone de última geração.
Ainda assim, qual o melhor presente de natal? Eis uma pergunta recorrente nesta época do ano. Todos desejam presentear e ganhar presentes. Mais do que em qualquer outro instante, o final de ano aumenta o desejo de ter e compartilhar um pouco mais de alegria. E um presente, ainda que singela lembrancinha, sempre é recordado como síntese de reconhecimento e amizade. Mas qual o melhor presente?
Depende de quem vai receber ou da intencionalidade daquele que deseja presentear. O mundo certamente amaria ser lembrado com um buquê de paz, de fraternidade, de afeto entre os povos. A vida certamente se encantaria com uma prenda adornada de respeito, de conscientização, de senso de preservação humana e ambiental. O planeta agradeceria o respeito às florestas, às nascentes e aos leitos dos rios, mares e oceanos. A existência humana se sensibilizaria em ser presenteada com menos violência, menos sangue jorrando, menos mortes.
Como caindo dos céus, verdadeira dádiva divina, o sertão nordestino se encheria de alegria com menos estiagens, com menos sofrimento causado pela terra seca e a panela vazia, com menos angústia pela moringa sem água e sem submissão às humilhantes esmolas. E o sertanejo, cuja humildade o torna grato por qualquer atenção, se encheria de orgulho e prazer acaso fosse presenteado com o devido respeito pelas autoridades públicas. Não deseja receber além do que humanamente lhe é devido desde os tempos mais antigos.
Pelo mundo afora, onde crianças e velhos continuam morrendo sedentos e famintos, não haveria presente melhor que o pão do hoje e do amanhã, e, mais que isso, a contínua resolução de problemas que secularmente afligem tribos, comunidades e nações inteiras. Os meninos de rua desejariam receber a rua como caminho e não como cama e travesseiro. Os moradores de barracos de lata e papelão demonstrariam um contentamento infindo acaso recebem mais que esmolas e promessas: o direito à dignidade, e esta com moradia e emprego.
Aquele que está no leito hospitalar ou na solidão de seu quarto, sempre sente uma simples visita como o melhor presente do mundo. E tudo precisa de prece e de oração. Uma invocação pelo homem e pela vida. Eis a mais bela flor que pode receber a humanidade. E ela precisa demais de um presente assim neste Natal.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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