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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

POÇO REDONDO E O CANGAÇO NA TERRA DO SOL MAIOR


Rangel Alves da Costa*


Há um quadro na parede da história que outra moldura não possui senão a da madeira velha e embrutecida, tingida num misto de sangue e sol, em cujo fundo se avista um mundo de dor e sofrimento, de perseguições e injustiças, de homens valentes e outros apenas vítimas, lançados na luta contra a própria sina.
Tal moldura envolve um quadro que bem poderia se chamar Nordeste, sertão ou mesmo fim de mundo. Ou somente Poço Redondo. Neste quadro, pincelado na força da vida e da morte, do grito e do silêncio forjado, toda a memória de um povo e de um chão, que embora hoje reconhecido e valorizado, no passado apenas visto como uma toca peçonhenta e perigosa.
Ainda sobrevive um pouco desse estigma de brutalidade e covardia. Contudo, é a incompreensão do momento histórico em si, das forças que se digladiavam debaixo da terra do sol, que infelizmente ainda permite interpretações confusas e até preconceituosas da saga nordestina na sua vertente cangaço. Um olhar mais aprofundado logo traz uma realidade muito diferente.
Nada ao acaso, tudo com sua devida motivação. A miséria, as injustiças dos coronéis donos do mundo, a fome e as secas produziram no semiárido nordestino um cenário favorável à formação de grupos armados conhecidos como cangaceiros, que muitas vezes praticavam crimes assaltando fazendas e matando pessoas. E logo a reação ainda mais brutal de seus perseguidores: a volante.
Tal fenômeno institucionalizou-se nas distâncias sertanejas e recebeu o nome de cangaço. E cangaço originário de canga, e este termo tanto para designar jugo ou opressão. Porque assim diziam que os humildes sertanejos viviam sob a canga dos poderosos, dos latifundiários, do coronelismo.
Os pesquisadores, contudo, divergem sobre seus propósitos e fundamentos do cangaço. Para alguns, ele foi uma forma pura e simples de banditismo e criminalidade. Para outros, uma forma de banditismo social, isto é, de revolta conhecida como legítima pelas pessoas que viviam oprimidas.
De qualquer modo, temos que o cangaço foi um fenômeno social ocorrido no Nordeste brasileiro, de fins do séc. XIX até 1940, sob os resquícios de Corisco, o Diabo Louro, vez que o grupo de Lampião, o mais famoso de todos, foi desarticulado na chacina do Angico, nas entranhas do riacho Tamanduá, na famosa Gruta do Angico, lá pelos idos de 28 de Julho de 1938.
É consenso, contudo, que o cangaço foi motivado pelas condições político-sociais peculiares da região, tais como a estrutura feudal da propriedade agrária e o atraso econômico. Caracterizou-se pelo aparecimento de grupos de bandoleiros errantes, que percorriam o sertão saqueando fazendas e cidades, fazendo justiça com as próprias mãos e lutando contra bandos rivais e a polícia. Entre os mais importantes bandos de cangaceiros destacaram-se o de Antônio Silvino e o de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Foi durante o reinado de Lampião que Poço Redondo, no sertão sergipano do São Francisco, experimentou a convivência e o medo com as ações cangaceiras. Foi palco de terríveis e sangrentas batalhas, foi aconchego constante para Lampião e seu bando, foi onde o inteligente Capitão das caatingas teceu amizades, foi berço de mais de duas dezenas de cangaceiros e também leito de morte para o maior dos cangaceiros. E o próprio cangaço.
Muitos fatos podem ser relembrados neste sentido. Foi após deixar a vida errante com a morte do seu chefe, que o ex-cangaceiro Cajazeira se transformou no maior mito da história poço-redondense. Ao sair ileso da chacina do Angico - mesmo tendo perdido sua esposa Enedina - Zé de Julião procurou retomar sua vida tendo a política como opção. Duas vezes se candidatou a prefeito e só não saiu vitorioso pelas falcatruas eleitoreiras de então. E por causa disso passou a ser novamente perseguido até ser assassinado covardemente.
Segundo os relatos históricos, Lampião parecia mesmo ter escolhido Poço Redondo como uma segunda casa sua. A primeira era a caatinga, com varanda de xiquexique e assento de mandacaru. Mas a família era grande, era muita, espalhada por todos os sertões nordestinos. E em Poço Redondo mantinha amigos fiéis, tinha acolhida, comida à mesa, tudo o que precisasse. E também a simpatia de tantos jovens que decidiram entrar para o seu bando.
Num misto de temor e reverência, aliado ao fato de que o homem sempre estava por ali desafiando as volantes, verdade é que mais de trinta filhos de Poço Redondo seguiram a trilha do bando de Lampião. Mocinhas muitas novinhas, ainda na adolescência, se encantavam com aqueles “artistas” das caatingas e seguiam seus destinos de amor cangaceiro. Assim foi com Adília, Sila, Enedina, Rosinha e outras. Dentre os meninos de Poço Redondo estavam, por exemplo, Cajazeira, Canário, Elétrico, Mergulho, Novo Tempo e Zabelê.
Os alfarrábios da história assinalam que os seguintes filhos de Poço Redondo seguiram Lampião e seu bando, segundo seus apelidos e nomes:
Homens: Sabiá (João Preto), Canário (Rocha), Diferente (Nascimento), Zabelê (Manoel Marques da Silva), Delicado (João Mulatinho), Demudado (Zé Neco), Coidado (Augusto), Cajazeira (João Francisco do Nascimento – Zé de Julião), Novo Tempo (Du), Mergulhão (Gumercindo), Marinheiro (Antonio), Elétrico, Penedinho (Teodomiro), Bom de Vera (Luis Caibreiro), Beija Flor (Alfredo Quirino), Moeda (João), Alecrim (Zé Rosa), Sabonete (Manoel), Borboleta (João Rosa), Quina-Quina (Jonas), Ponto Fino (José da Guia), Zumbi (Angelino), Cravo Roxo (Serapião), Cajarana (Francisco Inácio dos Santos – Chico Inácio) e Azulão (Luis Maurício da Silva). Um total de 25 cangaceiros.
Mulheres: Sila (mulher de Zé Sereno e irmã de Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro), Adília (mulher de Canário e irmã de Delicado), Enedina (mulher de Cajazeira, o Zé de Julião), Dinda (mulher de Delicado), Rosinha (mulher de Mariano), Áurea (mulher de Mané Moreno) e Adelaide (mulher de Criança, irmã de Rosinha e prima de Áurea). Um total de 7 mulheres.
Como demonstrado - e apenas em alguns fatos -, Poço Redondo teve uma participação singular na vida do cangaço. Foi estrada, casa e leito de morte de Lampião. Foi de onde se arregimentou uma juventude para uma luta inglória. Foi de onde Durval silenciou acerca de tudo o que sabia sobre seu irmão Pedro de Cândido e a suposta traição. E também de onde Alcino Alves Costa tudo contou para o mundo. E como gostaria de ter conhecido o seu tio Zabelê.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Mestre Rangel: Desejando um FELIZ NATAL e um PRÓSPERO 2016 para você e família, pergunto: será que nestes passados três dias está visitando sua Poço Redondo, logo que após este texto não postou outros? Tenho quase certeza que está visitando nem só os familiares como os amigos do saudoso ALCINO ALVES COSTA que também são seus amigos.
Antonio Oliveira das Terras de Serrinha

Anônimo disse...

Amigo Rangel, sou um aficionado pelo cangaço, leio desse os meu 11 anos sobre o cangaço e conheci a cangaceira Sila esposa de Zé Sereno e um antigo componente da volante que perseguiu lampião, mas eu era muito criança. A Sila a conheci já na universidade. Nasci e sempre morei no Paraná e em Curitiba capital. Já li muitos livros e tenho mais de 5000 pags que retiro da internet e vou organizando minhas leituras como se fosse um livro de pesquisas sobre o cangaço, Lampião e Maria Bonita e seus cangaceiros. Tenho uma dúvida que me persegue sobre a foto de 1938 na qual aparem as cabeças cortadas dos cangaceiros mortos no massacre do Angico na escadaria da prefeitura de Piranhas. Pergunto: a foto foi realmente tirara naquela escadaria, vide a escadaria ter dois lances de escada e não um como aparece na foto. Já busquei incansavelmente fotos antigas que mostre a prefeitura e sua escada em tempos antigos e não acho. Como seria possível um prédio histórico não ter sequer uma foto antiga que mostre sua escada e não só a atual em dois lances de degraus. Pergunto, ora bolas não é possível que não exista uma foto antiga sequer que mostre como era sua escada no tempo do massacre. Você poderia me ajudar? Meu e mail wgallius@bol.com.br
Desde já agradeço vossa atenção
Att. Gallius