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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

ASSENTAMENTOS DO MST: A CASA E A TERRA


Rangel Alves da Costa*


Não faz muito tempo que percorri estradas que entrecortam assentamentos oriundos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) no município de Poço Redondo, no Alto Sertão Sergipano do São Francisco. Aliás, é neste município que está o maior número de assentados de todo o estado, numa expropriação para apropriação que vem desde o ano de 1986, quando o latifúndio da Barra da Onça passou a simbolizar toda a luta pela reforma agrária na região.
Em tal percurso fui percebendo alguns frutos da aguerrida - e muitas vezes violenta - luta pela terra. Os lotes se espalham por todos os lugares, com casas de alvenaria e até avarandadas, algumas com garagens e outras ladeadas por benfeitorias. Situação ainda mais promissora - ao menos nas construções - se observa no Assentamento Queimada Grande, mais próximo à sede municipal, onde muitas ruas calçadas foram abertas e já foram erguidos templos religiosos, escolas e ginásio esportivo, além de infraestrutura de verdadeira povoação.
Alguns frutos da luta pela terra no sertão sergipano estão ali e em muitos outros rincões adentro, ao menos na parte estrutural dos assentamentos. E assim porque residências, ruas, garagens e carros, não permitem afirmar o alcance dos objetivos primordiais da reforma agrária empreendida: terra, trabalho e produção. Alguns lotes, principalmente nas proximidades do Rio São Francisco, são irrigados, mas não são avistadas plantações suficientes para se afirmar sobre o ideal aproveitamento da terra. Situações pontuais existem onde a colheita é farta, mas noutras nada parece vingar.
A verdade é que as construções e benfeitorias encontradas nos assentamentos escondem uma realidade conhecida, mas pouco disseminada. A terra conquistada é pouco valorizada, pouco trabalhada, quase rejeitada pela maioria dos assentados. Todo o sustento, ganhos e benefícios, chegam por meio das políticas governamentais para o setor. Há oferta de crédito diferenciado, há programas específicos de distribuição de renda, há recebimento de cestas de alimentos, há uma série de programas destinados especificamente à valorização e manutenção do assentado. Numa situação tal, pouco importa que a terra seja trabalhada para produzir o sustento próprio.
De certa forma, ser assentado passou a significar uma profissão, mas não um ofício no labor da terra. E profissão rentosa, com ganhos garantidos a cada semana ou mês, segundo vão chegando os recursos públicos destinados. E quando há atraso nos repasses, logo se vê uma multidão murchando de armas em punho, invadindo cidades e tomando órgãos públicos. Tudo isso com a certeza de que não há lei que os castigue ou ameace. Daí o bon vivant na lassidão e na impunidade.
O descompromisso com a terra é uma marca sempre presente nos assentados. Apenas uma minoria faz do pedaço de terra conseguido um compromisso de vida, sobrevivência e talvez fartura. A outra se compraz da situação de assentado apenas para auferir das dádivas e dos benefícios. Ademais, muitos são os que fazem dos lotes meros objetos de venda e troca. Quer dizer, invadem, se assentam, conquistam a terra e depois vendem o lote por qualquer preço ou faz troca por carros velhos ou motocicletas. E corre para novas invasões.
O contexto observado - em recorte diminuto, se diga - não condiz com a luta da terra nem com sua conquista. Como afirmado, a aparência dos assentamentos contraria o que se tem depois da porta dos fundos ou pelos arredores. Enquanto assentados ganham pela indolência e lassidão, a terra continua tão improdutiva quanto antes de ser invadida e tomada no grito e na força. Logicamente que há produtividade, que lotes produzem o máximo possível, mas apenas uma minoria em meio a um mundo de terras que continuam nuas e desprovidas de qualquer grão.
Tal situação parece ser de menor importância tanto para o MST como para o governo e assentados. O que se apregoa é a conquista da terra através da reforma agrária, e basta. É o fim do latifúndio, ainda que produtivo, para distribuir a terra entre muitos que parece suficiente. Contudo, outra é a motivação para que governos, políticos e lideranças tanto se empenhem na entrega de lotes a cada um que carregue a bandeira vermelha: o voto.
Não é por mera casualidade que os excluídos da terra são ideologicamente transformados antes de começarem a agir, invadindo, usurpando, violando. Após a conquista da terra, passam a dever obediência às lideranças do movimento. E estas, sempre fazendo dos assentados uma prova de força eleitoral, ou vendem apoios políticos ou eles mesmos se lançam como candidatos. Garantindo-se no encabrestamento da maioria, avalizam eleições e redesenham as forças políticas locais.
Assim os assentamentos, em realidades distintas desde as residências aos campos de trabalho. Para muitos, simbolizam a reforma agrária que deu certo. Para outros, apenas um aglomerado de forasteiros tirando a paz e o sossego da população nativa. Mas nem menos nem mais, tão somente uma nova realidade pelos campos sertanejos. E num mundo onde alguns verdadeiramente trabalham e tiram da terra o seu fruto, e outros apenas constroem varandas para armar redes e espreguiçadeiras.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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