Rangel Alves da
Costa*
Com as
desculpas ao grande mestre, mas a poesia de Drummond passou a servir de espelho
às mazelas da vida, aos lamaçais que irrompem de Brasília abaixo, às tiranias
silenciosas que afligem mais que a senzala. Nada de bom acontece. Tudo uma
sequência de vilanias, espertezas, aviltamentos, penúrias.
A poesia
de Drummond não merecia isso, mas sua palavra saiu da contundência sentimental
para alcançar os recônditos mais sombrios e seus cotidianos de envergonhar.
Seria possível uma poesia desfazendo o equívoco entre o amor e a iniquidade
humana? Impossível reescrever os versos, mas também impossível de não
conjuga-la perante o vergonhoso verbo do presente.
Diz
Drummond: “João amava Teresa que amava Raimundo/ que amava Maria que amava
Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém. João foi pra os Estados Unidos,
Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim
suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na
história”. Assim, alguém que sucessivamente ama, que sucessivamente perde, que
mais tarde se depara com os inusitados amorosos da vida.
“Quadrilha”,
o poema acima transcrito, foi publicada em 1930, no livro Alguma Poesia. Mesmo
já passados mais de 80 anos, a tristeza da poesia continua aflorada como
naqueles idos. As desilusões amorosas são as mesmas, os desvãos do coração são
os mesmos, a volubilidade do amor ainda possui a mesma feição. E também a
sucessão de encontros e perdas, de descompassos e reencontros, de alegrias e
sofrimentos.
Contudo, além
da amargura poética, da percepção volátil do amor e das relações, a arte
Drummondiana remete a uma recordação ainda mais dolorosa: o poema Quadrilha
está cada vez mais presente no dia a dia, e tão pujante na atualidade que faz
esmagar a ideia de poesia. E assim porque os fatos em sucessão podem ser
avistados em paródia, em espelho de uma realidade muito diferente daquela imaginada
pelo poeta itabirano no seu primeiro livro. Hoje, extraindo a métrica dos
versos, a poesia que se tem é tão insustentável como a própria vida.
E por
motivos que apunhalam sem piedade, surgiria o seguinte arremedo: João amou a
esperança que amou a promessa/ que amava a ilusão que amava a mentira/ que
falsamente amava a todos indistintamente. João se desesperançou de vez, a
esperança perdeu para o medo, a ilusão se sobrepôs a tudo, e tudo fez sofrer e
fez chorar, e tudo fez desacreditar na vida e nas pessoas, principalmente nos
políticos e governantes.
Ou ainda:
O PT que amava o PMDB, que amava o poder que amava qualquer um que amasse a
traição, que não amava ninguém. O PT traiu o poder e o povo, que foi traído
pelo PMDB, que se vendeu a qualquer preço ou em troca de cargos e benesses.
Depois se descobriu que os amantes do poder, PT, PMDB, PSDB, DEM e toda uma
miséria de siglas, dividiam o mesmo leito na esperança que o poder lhes
chamasse aos abraços como uma prostituta de muitos.
Ou ainda: A
Petrobras que era amada por Paulo Roberto, que amava a propina, que era amada
por Cerveró, Pizzolato, Youssef, Barusco, Fernando Baiano e tantos outros, que
outra coisa não amavam senão a corrupção. E esta que era amada pela Odebrecht,
Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, Mendes Júnior e tantas
outras acostumadas a lidar com entulhos. Depois de usada, traída e aviltada, a
Petrobras buscou socorro nos braços de Sérgio Moro, que não amava ninguém, mas
resolveu tirar satisfação com os traidores.
E assim a
insustentável poesia. Todo mundo que amava todo mundo que não amava ninguém. E
a prova maior desse desamor está nas deleções premiadas. Agora todos são
inimigos depois de tanto amor a uma causa comum: o dinheiro da Petrobras, do
país, da saúde, da educação, do povo miserável. Por falar nisso, a quem será
que Dilma ama?
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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