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terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A POESIA INSUSTENTÁVEL


Rangel Alves da Costa*


Com as desculpas ao grande mestre, mas a poesia de Drummond passou a servir de espelho às mazelas da vida, aos lamaçais que irrompem de Brasília abaixo, às tiranias silenciosas que afligem mais que a senzala. Nada de bom acontece. Tudo uma sequência de vilanias, espertezas, aviltamentos, penúrias.
A poesia de Drummond não merecia isso, mas sua palavra saiu da contundência sentimental para alcançar os recônditos mais sombrios e seus cotidianos de envergonhar. Seria possível uma poesia desfazendo o equívoco entre o amor e a iniquidade humana? Impossível reescrever os versos, mas também impossível de não conjuga-la perante o vergonhoso verbo do presente.
Diz Drummond: “João amava Teresa que amava Raimundo/ que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém. João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história”. Assim, alguém que sucessivamente ama, que sucessivamente perde, que mais tarde se depara com os inusitados amorosos da vida.
“Quadrilha”, o poema acima transcrito, foi publicada em 1930, no livro Alguma Poesia. Mesmo já passados mais de 80 anos, a tristeza da poesia continua aflorada como naqueles idos. As desilusões amorosas são as mesmas, os desvãos do coração são os mesmos, a volubilidade do amor ainda possui a mesma feição. E também a sucessão de encontros e perdas, de descompassos e reencontros, de alegrias e sofrimentos.
Contudo, além da amargura poética, da percepção volátil do amor e das relações, a arte Drummondiana remete a uma recordação ainda mais dolorosa: o poema Quadrilha está cada vez mais presente no dia a dia, e tão pujante na atualidade que faz esmagar a ideia de poesia. E assim porque os fatos em sucessão podem ser avistados em paródia, em espelho de uma realidade muito diferente daquela imaginada pelo poeta itabirano no seu primeiro livro. Hoje, extraindo a métrica dos versos, a poesia que se tem é tão insustentável como a própria vida.
E por motivos que apunhalam sem piedade, surgiria o seguinte arremedo: João amou a esperança que amou a promessa/ que amava a ilusão que amava a mentira/ que falsamente amava a todos indistintamente. João se desesperançou de vez, a esperança perdeu para o medo, a ilusão se sobrepôs a tudo, e tudo fez sofrer e fez chorar, e tudo fez desacreditar na vida e nas pessoas, principalmente nos políticos e governantes.
Ou ainda: O PT que amava o PMDB, que amava o poder que amava qualquer um que amasse a traição, que não amava ninguém. O PT traiu o poder e o povo, que foi traído pelo PMDB, que se vendeu a qualquer preço ou em troca de cargos e benesses. Depois se descobriu que os amantes do poder, PT, PMDB, PSDB, DEM e toda uma miséria de siglas, dividiam o mesmo leito na esperança que o poder lhes chamasse aos abraços como uma prostituta de muitos.
Ou ainda: A Petrobras que era amada por Paulo Roberto, que amava a propina, que era amada por Cerveró, Pizzolato, Youssef, Barusco, Fernando Baiano e tantos outros, que outra coisa não amavam senão a corrupção. E esta que era amada pela Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, Mendes Júnior e tantas outras acostumadas a lidar com entulhos. Depois de usada, traída e aviltada, a Petrobras buscou socorro nos braços de Sérgio Moro, que não amava ninguém, mas resolveu tirar satisfação com os traidores.
E assim a insustentável poesia. Todo mundo que amava todo mundo que não amava ninguém. E a prova maior desse desamor está nas deleções premiadas. Agora todos são inimigos depois de tanto amor a uma causa comum: o dinheiro da Petrobras, do país, da saúde, da educação, do povo miserável. Por falar nisso, a quem será que Dilma ama?


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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