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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Palavra Solta: o lábio lilás da prostituta


Rangel Alves da Costa*


A prostituta é tão jovem e tão bela. Mas ela está tão velha e tão feia. A prostituta tem pele macia e cabelos dourados. Mas ela está com aspereza na pele e com cabelos estragados. A prostituta tem boca perfeita e lábio carnudo. Mas ela está com a boca tão feia e o lábio disforme. A prostituta possui dentes tão alvos e hálito tão puro. Mas ela está com os dentes estragados e cheirando a rum. A prostituta tem olhar angelical e feição de princesa. Mas ela está com olhar entristecido e rosto sem cor. A prostituta tem sonhos, tem planos, desejos na vida. Mas ela está acordada em pesadelos, desesperançada, cheia de aflições. A prostituta possui muita fé e ora e roga por dias felizes. Mas ela está longe da graça, em silêncio profundo, sem reconhecer uma santa promessa. A prostituta tem pais, tem irmãos, tem parentes. Mas ela está tão solitária, incompreendida, evitada em tudo. A prostituta tem um corpo, um sexo, uma honra. Mas ela se entregou desnuda, fez de seu sexo uma troca qualquer, e desonrada não possui mais respostas. A prostituta tem namorada, tem apaixonado, tem poeta que lhe escreve versos de amor. Mas ela está com qualquer homem, se diz apaixonada por uma moeda, prefere os espinhos às flores de ontem. A prostituta sorri, canta e é feliz. Mas ela lacrimeja nos instantes de solidão, chora embaixo dos panos, finge viver e até a felicidade. Guardo dela um retrato. Tão bela e tão singela. Mas a encontrei tão irreconhecível naquele lábio lilás. E tão irreconhecível estava que também não me reconheceu. Chamou-me para o sexo em troca de troco. E eu, que um dia havia lhe prometido o mundo, apenas baixei a cabeça e me vi chorando.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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