SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Palavra Solta: sentinela de adeus


Rangel Alves da Costa*


Toda sentinela de adeus é triste. Ao menos deveria ser acaso as tradições não fossem transformadas ao bel-prazer dos modismos. Hoje praticamente não há mais sentinela nos centros urbanos. O falecido é levado ao velatório e depois de algumas formalidades encaminhado ao cemitério. Muito diferente de tempos atrás, onde ainda havia despedida com direito a lágrimas, ataques, desmaios, inconformismos, discursos, elogios e até partilhas ao pé do caixão. Tornou-se raridade, mas nas lonjuras nordestinas ainda se proporciona uma despedida decente e ao modo dos antepassados. Nas distâncias sertanejas ainda se reverencia o morto com todas as honrarias matutas. Os amigos logo chegam, choram a despedida, tecem recordações de amizade e permanecem pela noite inteira e madrugada adentro na residência do pranteado, só que do lado de fora, ao redor de fogueiras, bebendo o morto. Lá dentro, ao redor do caixão, iluminados pelas velas que crepitam entristecidas, familiares e amigas, principalmente as mais idosas, entoam cantos fúnebres até o momento da partida. A sentinela de adeus se transforma então no ecoar aflitivo e triste de ladainhas e rezas de encomendação da alma. Os cantos são tão compassados e melancólicos que tudo ao redor parece se transformar num manto de dor. As velas chamejam, os lenços são levados aos olhos, os olhos descem sobre o caixão, a boca se abre para a ladainha, e assim a estrada do falecido vai sendo aberta rumo ao lugar merecido. Até que o sol surge para mostrar olhos já quase sem lágrimas para molhar a terra enquanto a pá vai jogando areia sobre o caixão.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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