SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 29 de setembro de 2015

CAMINHANTE SERTANEJO


Rangel Alves da Costa*


Todas as vezes que chego aos quadrantes sertanejos de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, logo me divido entre o centro da cidade e seus arredores. Na verdade, gosto muito mais de estar pelas estradas e veredas, em meio a tufos de mato e arvoredos, como um andante interessado por tudo, a andar por ruas e praças desinteressantes e abandonadas.
Assim que acordo, não demora muito e já estou caminhando rumo aos conjuntos da cidade, às beiradas do riachinho Jacaré, aos logradouros um pouco mais afastados, andando ao redor de sítios e chácaras, visitando lugares tão conhecidos na minha infância e em tempos mais recentes. Mas dessa última vez tive a oportunidade de ir um pouco mais longe e visitar um local almejado desde muito. E no contexto daquilo que sempre desejo encontrar em Poço Redondo: seu passado, sua história, suas raízes e tradições. Por isso que vou ali e acolá em busca de velhos cacos, de pedaços esquecidos de tempo, de remendos esquecidos nas varandas velhas e cumeeiras carcomidas.
Já compromissado desde uns vinte dias atrás, no sábado logo cedinho saí da cidade e caminhei cerca de dois quilômetros até a região do Poço de Cima. Foi nesta localidade que nasceu o que se tem hoje por cidade de Poço Redondo. Foi ali numa área mais alta, ideal para se lançar o olhar sobre os arredores e mais distante, que Manoel Cardoso de Sousa levantou moradia e deu início à povoação daquela vastidão sertaneja. Chegou com familiares por dentro do mato e não pelas águas do Velho Chico.
Posteriormente novas moradias surgiram mais abaixo, ladeando o Riacho Jacaré, no que se denominou de Poço de Baixo. E foi nesta área mais abaixo, com o crescimento da povoação, que surgiu o Poço Redondo. Deixou de ser Poço de Baixo para se transformar em Poço Redondo por um fato da natureza. Para dar água ao gado – ainda que água salobra – em tempos de tanques secos pelas estiagens, os moradores começaram a cavar um grande poço no leito do Jacaré. E o tal poço, fundo e redondo, acabou proporcionando uma nova denominação à povoação. Quando os vaqueiros passavam com seus rebanhos e alguém perguntava aonde tencionava ir enganar a sede dos bichos, então a resposta é que iam ao poço redondo. E daí em diante sempre Poço Redondo, ainda que afetuosamente batizado como Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo. Eis a força da religião dando o seu parecer sobre a existência de tudo.
Pois bem, à saída da cidade encontrei o amigo João Vitor, um dos responsáveis pelo convite àquela caminhada. Fomos seguindo na estrada nua, passando por paisagens ora encantadoras ora desalentadoras, até o olhar divisar as formas da pequenina capela adiante. Nosso objetivo era precisamente chegar a Capela de Santo Antônio do Poço de Cima, primeiro templo católico do município e construído pelos primeiros habitantes da região. Ali, um pouco antes da sete da manhã, foi celebrada uma missa pelo cordial e generoso Padre Cláudio.
A missa tinha sua razão de ser. A capela, totalmente reformada, passou muito tempo abandonada, renegada à companhia dos túmulos que se espalham ao redor. Por muitos anos, apenas os mortos cujas raízes familiares estivessem no Poço de Cima, como os Cardoso, os Sousa e os Lucas, eram enterrados ao redor da igrejinha. Mas de uns tempos para cá, muitos outros foram levados por familiares para o repouso eterno naquele local. E pela importância histórica e familiar, sob as bênçãos do Padre Mário, um grupo de jovens poço-redondenses passou a ter incumbência de zelar pela capelinha do Poço de Cima. E os amigos João Vitor e Enoque, juntamente com outros jovens, se sobressaem neste ofício de cuidado e preservação.
Após a missa, caminhei mais alguns instantes pelos arredores até tomar o chão de retorno. Já na cidade, avistei uma senhora que desde muito tempo não encontrava para um abraço e um pé de prosa. Das raízes mais profundas de Poço Redondo, foi das mãos de Dona Clotilde que certa vez recebi por doação uma brochura muita antiga, um misto de partitura e diário, manuscrita por um Lucas de raízes mais distantes ainda. Um documento histórico de indescritível valor.
Assim que cheguei à porta, Dona Clotilde olhou-me sorridente, porém sem acreditar em quem reencontrava depois de alguns anos. Após os abraços, convidou-me a entrar na humilde moradia para avistar uma pessoa logo ali sentadinha na sala. Era Neném, sua filha, toda linda e miudinha no seu cantinho de sofá. Assim que me aproximei ela perguntou, um tanto indecisa: É Alcino é?
Dona Clotilde então trouxe um santinho de sétimo dia quando do falecimento de meu pai em 2012 e disse a Neném que Alcino era aquele do retrato e que eu era Rangel, seu filho. Então ela comparou o retrato com a minha feição e disse: É Alcino.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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