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quinta-feira, 24 de setembro de 2015

ARISTÓTELES E AS ESTRELAS NO FUNDO DO POÇO


Rangel Alves da Costa*


Imagina-se que as estrelas estão sempre distantes, muito distantes, lá no alto, no firmamento. À noite, no negrume do céu aberto, então elas surgem brilhosas e apaixonantes. Ao lado da lua formam um cenário noturno encantador.
Aqueles pontinhos luminosos lá em cima, e que de repente parecem voar numa rapidez desenfreada, são como gotas perfumadas aos poetas, amantes, apaixonados e tantos outros que procuram decifrar seus tantos mistérios.
Mas o brilho das estrelas seria dádiva apenas da noite ou seria possível avistar seu fulgor noutros instantes do dia? As estrelas são avistadas somente no céu ou podem ser encontradas em outros firmamentos da vida?
Surge então a ideia de céu estrelado como possibilidade mental, de firmamento estrelado como desejo de cada um, de luminosidade estelar em qualquer lugar que o sujeito deseje encontrar. Mas como isso seria possível?
A melhor resposta está numa frase do filósofo Aristóteles: “No fundo de um buraco ou de um poço, acontece descobrir-se as estrelas”. O que isto significa? Simplesmente que a visão das estrelas é uma possibilidade de qualquer um segundo o seu desejo.
Por outras palavras, significa que ao invés de esperar o negrume da noite para que as estrelas surjam radiantes no espaço, a pessoa pode antecipar sua visão e procurar encontrá-las em outros lugares. O que importa não é a estrela em si, mas a visão dela que se deseja ter.
A frase de Aristóteles é permeada de metáfora e simbologia. Logicamente que as estrelas enquanto astros celestiais não saem do firmamento para surgirem noutro lugar, muito menos no fundo escuro de um poço. Impossível de acontecer. Mas o sentido da frase é outro, bem diferente.
Quando o filósofo diz que no fundo de um buraco ou de um poço, acontece descobrir-se as estrelas, está afirmando que nada é impossível aos que se lançam ao desejo de encontrar. É a vontade, a construção mental ou a idealização de algo, que acaba permitindo que o inexplicável aconteça.
Acontece de descobrir-se estrelas num fundo do poço ou a lua no fundo do mar, ou mesmo num copo d’água ou na lágrima que cai, pelo fato de que a pessoa assim deseja encontrar. O desejo profundo, a vontade enraizada, acaba permitindo céus, horizontes e noites, diante do olhar ou em cima da cama.
Numa primeira análise, até se imaginaria que Aristóteles tencionou afirmar, na mesma vertente de Shakespeare, que nada seja impossível de acontecer, pois tudo entremeado de mistérios indecifráveis. A leitura pode ser neste sentido mesmo, mas o que se depreende é a intencionalidade maior em colocar a vontade humana como descobridora de estrelas. E em lugares muito diferentes do céu estrelado.
As duas frases, a de Aristóteles e a de Shakespeare, possuem a mesma conotação: “No fundo de um buraco ou de um poço, acontece descobrir-se as estrelas” e “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”. Nas duas um mesmo fundamento: a possibilidade de existência do que se imagina como impossível.
É tal possibilidade de existência do que se imagina como impossível que coloca no homem a responsabilidade de romper as barreiras do que se tem como inalcançável. O homem, contido pelo negrume, aflito pela escuridão que o cerca, de repente sem saída para encontrar qualquer luz, pode lançar sua última força para encontrar estrelas.
Ora, as estrelas de Aristóteles são os desafios vencidos, os caminhos encontrados, a perseverança que venceu o medo de não conquistar. As estrelas de Aristóteles estão apenas adormecidas em cada indivíduo. Basta desejar que elas surjam e um céu iluminado será a recompensa da fé, da luta, da obstinação.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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