SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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terça-feira, 26 de maio de 2015

SOMBRAS NA NOITE


Rangel Alves da Costa*


O sol se esconde, o dia vai embora, mas as sombras ainda persistem como companhia, seguindo, ao lado, por dentro, por todo lugar.
A noite cai, a escuridão povoa o mundo, mas não consegue afastar as sombras do dia, do passado, de todo o percurso de vida.
A noite, quando iluminada, também produz sombras. A luz recai sobre o corpo e provoca um sombreamento no espaço em que a luminosidade não consegue ultrapassar.
Contudo, as sombras que persistem são aquelas que acompanham o ser mesmo na mais completa escuridão. Ainda que seja breu de vaga-lume, e lá estarão as sombras assustadoras.
Mas não se trata de fantasmas, de seres furtivos e aterrorizantes, que se ocultam na escuridão para repentinamente surgir. Não se trata de nada do outro mundo nem da imaginação.
As sombras são reais, verdadeiras, vivas, reconhecíveis. O ser sabe que não está sozinho, sabe que suas sombras não o deixam apenas consigo mesmo.
Persistentes que são as sombras, das quais ninguém pode se afastar. Sente na pele, no olhar, no peito, mas principalmente no sentimento. E que se põem a martirizar lentamente.
E assim por que provocadas e conduzidas pelo ser humano desde suas angústias, dores, aflições, medos. E impossível negar sua existência como companhia.
Não surgem ao acaso, não entram pela porta nem se derramam da lâmpada acesa acima do corpo. Todo o seu reflexo vem do pensamento, da mente humana e seus fantasmas angustiantes.
As sombras se instalam na mente e começam a se cultivar a si mesmas para sombrear com maior força após a chegada da noite, quando a escuridão fragiliza a alma.
Após o entardecer, mas principalmente quando a noite chega e a escuridão debaixo da lua se espalha pelos quadrantes, então o ser se torna presa de si mesmo, de tão fragilizado que fica.
A noite talvez abra os portais dos escondidos da alma e traga ao instante tudo aquilo que tanto se deseja evitar. Mas o pensamento vai buscar e o sentimento a tudo recepciona dolorosamente.
Surgem as sombras da saudade. A mente vai abrindo os velhos álbuns, diários, livros antigos. E passando página a página, provoca reencontros que causam além da saudade: aflição e tormento.
Surgem as sombras das relembranças. Os retratos, as feições, as vozes, os adeuses, as despedidas, as promessas, tudo vai surgindo mais fortemente em meio ao negrume. E não há como fugir do desejo inato de voltar ao passado através da recordação.
Surgem as sombras dos erros. Na noite as culpas chegam com voracidade de ventania. Como uma prestação de contas, a pessoa vai somando os desacertos e se diminuindo cada vez mais. E só resta lamentar e se prometer que nunca mais aquilo se repetirá.
Surgem as sombras da nostalgia, da melancolia, da depressão e da tristeza profunda. Sai para se confortar debaixo da lua, caminhar pela solitária rua, se põe à janela em busca de um pensamento bom, mas tudo se mostra inverso: a mente não atende ao desejo de contentamento.
Surgem as sombras da solidão. E nas sombras da solidão não há luz que faça avistar qualquer coisa além do vazio, do nada desesperador. É a escuridão dentro da escuridão, uma sombra maior que a tudo envolve e deixa o próprio ser como inexistente.
E tantas e mais tantas sombras vão surgindo na noite. Não adianta acender mais uma vela nem colocar outra lâmpada no quarto ou na sala. Ninguém ilumina por dentro quando chega a hora de sua noite.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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