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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Segurança Pública: os discursos, as teorias e os gabinetes (e a violência por todo lugar)


Rangel Alves da Costa*


Não recordo agora o nome do autor nem do livro, mas não me esqueço do que nele estava descrito. Na obra, o autor mostrava um mundo onde tudo dava errado porque era planejado para tudo dar certo. E sempre dava errado porque o planejamento do mundo perfeito, por mais que contivesse objetivos claros, estratégias de ação e previsão de resultados, nunca considerava a realidade do mundo em si. Quer dizer, planejava-se para um mundo irreal, utópico, enquanto o mundo real continuava padecendo suas dores e sofrimentos.
“As Utopias da Segurança Pública”, bem poderia ser o nome do livro citado. E no seu início talvez fosse inserida uma nota explicativa dizendo que ou se acredita na palavra oficial, oriunda da verdade estatal, ou se acredita nas inverdades divulgadas pela imprensa. Ou se acredita que tudo está sob o mais rígido controle ou se incorre no erro de acreditar que a violência está aumentando, que as estatísticas de assassinatos, roubos e outras violências, estão num crescente assombroso. E assim porque as instituições não mentem, e a imprensa pode mentir. Daí ser melhor acreditar que existe paz em todo lugar e não violência em cada canto.
Tais explicações tão useiras e vezeiras são geralmente utilizadas para camuflar verdades ou apontar realidades somente existentes aos interessados. Assim, toda vez que alguém fala pela segurança pública e diz que tudo está sob controle, que as polícias estão agindo com maior agilidade e eficiência para combater a criminalidade ou que novas estratégias serão colocadas em prática para proporcionar maior segurança ao cidadão, é apenas no sentido de propagar uma imagem corporativa, validando suas ações, e não porque a sociedade esteja sendo efetivamente defendida.
Do mesmo modo, toda vez que a segurança pública vem a público com estatísticas comparativas de índices de criminalidade em outros estados e afirma que o quadro demonstra uma diminuição na incidência local, é porque está tentando mostrar – sem jamais reconhecer a continuidade do problema – que o crime está sendo combatido com eficiência. Mas não consegue explicar por que os homicídios estão aumentando e a criminalidade em geral aterroriza a sociedade por todo lugar. Há, pois, uma incongruência entre o discurso e a realidade. Ou será que os jornais, rádios, canais televisivos e a mídia virtual estão avistando sangue e barbarismos onde só existe tranquilidade?
Ademais, mostrar que a prisão de tantos elementos, que o desbaratamento de quadrilhas, a apreensão de drogas e armas de fogo e a captura de foragidos, com o consequente apinhamento de delegacias e presídios, são ações positivas das forças de segurança, não parece uma atitude inteligente. Na verdade, deve ser mais um reconhecimento da ineficiência estatal e do aumento da criminalidade. Ora, se há tanta gente praticando crime é porque a ação delitiva não está sendo combatida preventivamente. O que significa também dizer que a repressão à criminalidade não está sendo eficiente. A equação é simples: o aumento da repressão faz diminuir a incidência, e vice-versa.
Fazer apreensão de drogas ou de armas de fogo, realizar prisões em flagrante ou através de ordem judicial, só para citar algumas situações, não são e jamais serão exemplos de combate ao crime, pois ações que se desdobram de uma criminalidade anterior. O verdadeiro combate está na ação repressiva para que o fato não aconteça. E quando a segurança pública sabe da existência de locais de comercialização de tais armas, de venda de drogas e de frequente atuação de marginais e nada faz, pois apenas passando em ronda, é porque não está interessada em combater as raízes do mal.
Veículos de ronda que são avistados e reconhecidos ao longe, piscando e avisando ao bandido que está chegando, e depois simplesmente circulam pelos arredores e vão embora, não possuem serventia alguma de combate à criminalidade. Situação diferente ocorre se a bandidagem sentir que a polícia está de vigília, que está presente fisicamente, entrando em ruas e virando esquinas, fazendo abordagens e evitando a ação criminosa. Não há meliante que não tema a polícia e a lei, mas na ausência de repressão se torna o rei do roubo, da boca de fumo, do tráfico, da violência.
Sem a presença diuturna da polícia, se fazendo visível e não apenas passando dentro de uma viatura, não há que se falar em segurança pública. A polícia não deve ser acionada apenas depois que o crime aconteça, pois uma de suas funções é evitar o acontecimento. E só se evita, se faz prevenção da criminalidade, com a presença nas ruas, nos logradouros distantes e nas povoações mais inacessíveis. Os espaços vazios, desprotegidos, largados à sorte de pessoas incapazes de se proteger, acabam sendo ocupados por tudo o que não presta. É uma verdade óbvia demais.
Além disso, fato é que não há polícia científica, modernamente aparelhada ou estrategicamente planejada, que dê resultados apenas nos gabinetes e nos discursos. Ciência e violência nunca se deram muito bem. E por isso mesmo que uma vive tão distante da outra. Enquanto a segurança pública apregoa o moderno no combate ao crime, a bandidagem continua utilizando os velhos métodos com máxima eficácia. Basta ver os números da violência para saber quem está levando a melhor. E se o crime está nas ruas, que seja nas ruas o seu combate.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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