SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

FEBRE DA NOITE


Rangel Alves da Costa*


A noite entorpece, a noite adoece, a noite traz sempre uma misteriosa febre. O mais instigante é que os enfermos não sentem os sintomas febris, mas somente aqueles presumivelmente sadios.
Eis que a febre da noite não é de doença, mas de calor, de torpor, de abrasamento, de queimação íntima. Tal febre, pois, não é sintomática, provocada por nenhuma agressão orgânica que fragiliza a saúde.
Porque costumeiramente chega após o anoitecer, até se mostra parecida com a febre surgida como sintoma de enfermidade. E assim também porque esquenta o corpo, faz suar, podendo até causar convulsões. Mas nada que precise de médico ou medicação.
Aqui se cuida de outro sintoma febril, de outra espécie de febre. Assim, a temperatura elevada no corpo não é por infecções, por gripe ou por dengue, e sim por vontade, desejo, por instinto sexual aflorado.
O corpo esquenta, começa a arrepiar, provoca tremores. Todo o ser parece um vulcão prestes a explodir, um rio de lava que ameaça irromper a qualquer instante. E não adianta remédio de bula, chá ou qualquer medicação.
Não adianta porque a febre é provocada pela pulsação do coração amoroso, do corpo delirantemente desejoso de amor, das profundezas da alma que se mostram carentes de afeto e do sexo que deseja ser desejado.
A febre é causada porque deseja ter o corpo ainda mais aquecido por outra pessoa. É provocada porque sente a necessidade de ter alguém que divida um pouco daquela chama ardente, daquela verdadeira fornalha. É uma febre provocada por uma carência que de repente irrompe em chamas.
A febre da noite pode ter diversas causas. Tal sintoma febril surgirá em quem solitariamente vive e mentalmente idealiza a presença do outro. A falta de alguém que ama e com o qual o corpo já se acostumou, também motiva o seu surgimento. A lembrança de beijos, abraços e de outras carícias mais íntimas podem provocar verdadeiras convulsões.
Costuma-se dizer que a falta de sexo tende a tornar o corpo em verdadeiro vulcão. Mas o pensamento no ato sexual em si não é suficiente para provocar um estágio avançado da febre da noite. E assim porque a vontade de sexo nunca estremece o corpo inteiro, que precisa de uma fantasia maior para abrasar.
Assim, não é qualquer vontade que provoca a febre da noite. Muitas vezes o corpo não precisa só de sexo, pois pode eleger outras situações como mais importantes. Daí que muitos abrasam pela simples saudade, pela recordação de um instante juntos, pelo desejo de ser abraçado, acariciado, ter todo o ser compartilhado.
Uma mera recordação pode provocar arrepios. A recordação vem acompanhada de situações vivenciadas, que vão aquecendo tudo. A mente logo cuida de idealizar aquela distância como situação de presença, provocando desejos. E tais desejos chegam acompanhados de chamas, labaredas, queimores indescritíveis.
Quando a saudade de alguém vem acompanhada de carência afetiva, então certamente a febre da noite logo surgirá. Então haverá um recorte mental onde somente os momentos mais significantes começam a aflorar. E é como se sentisse o beijo, a carícia, o toque, a entrega, o prazer. E o fogo, o fogo, o fogo...
Talvez seja a chama da lua que incida sobre o pavio curto de um ser tão carente que provoque tanta devastação febril. Igualmente a lua cheia faz com a loucura, alçando-a a um estágio de exasperação, assim também age com o ser necessitado de afeto, de amor, de prazer: faz incendiar.
Mas um corpo nu não tem suas chamas apagadas por um balde de água. Basta uma presença, uma carícia, um abraço...


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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