SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 22 de fevereiro de 2015

E EU TÃO SOZINHO...


Rangel Alves da Costa*


Abro a janela e vejo os horizontes faiscando, relâmpagos cortando de lado a outro, e ouço ribombos de trovões, sons abafados que se alastram rasgando os céus. E eu tão sozinho...
Não que eu tenha medo de relâmpagos e trovões, de tempo fechado, trovoadas ou tempestades. Não tenho receio de nada disso, até louvo a mudança de tempo e a chuvarada caindo. Diferente é estar sozinho quando tudo isso acontece.
Com a chuvarada caindo em temporal, sigo até o portão e de repente me vejo molhado com os respingos que avançam na ventania. Um tempo de profundo despertar. E eu tão sozinho...
Não que eu tenha medo de solidão, que procure sempre fugir de sua presença. Nada disso acontece. Gosto de estar recolhido, meditando, refletindo sobre a vida. E quando chove depois do anoitecer então tudo se revela mais profundo, viajante, de nostálgico entristecimento.
As águas correm velozes, sedentas, famintas, levando tudo que encontrar. Folhas e flores mortas se juntam a troncos e gravetos despejados de jardins aflitos. E eu tão sozinho...
Não tenho medo da noite, do vazio da noite, dos mistérios noturnos. Seja com chuva ou tempo aberto, sempre avisto a lua imensa onde eu deseje encontrar. E por isso mesmo avisto aquele fascinante luar acima da trovoada e me ponho em viagem no pensamento. Chegam as recordações, lembranças, imagens, feições.
A noite está negra retinta, de negrume fechado, desde o horizonte aos descampados. O tempo encoberto, pesado, parece coberta de água que vai desabar. E eu aqui tão sozinho...
A solidão sempre será solidão mesmo diante da multidão. É o estado da alma, a propensão do ser que predispõe ao distanciamento de tudo. Ainda que outras pessoas estejam sendo ouvidas pelos arredores, ainda assim a solidão se faz companhia. Somente a noite, a chuva caindo e o silêncio imposto em mim, interessam como moldura dessa solidão.
As águas escorrem pelos canteiros, as calçadas são inundadas pelas biqueiras, as ruas asfaltadas mais parecem leitos negros de rios. Tudo tão diferentemente triste diante do meu olhar. E eu tão sozinho...
As ruas estão desertas, escurecidas, tristonhas. As portas e janelas foram fechadas, as vozes calaram, as crianças não correm de canto a outro. Não vejo cachorros e gatos caminhando pelas calçadas, não vejo gente correndo com medo da chuva. Não sei se dormem ou avistam a vida pelas frestas das portas e janelas. Somente eu diante da chuva que cai.
Não quero cálice de vinho nem aguardente. Bebo somente do copo da boca e de sua vertigem. Uma música clássica me faria bem, mas preciso de silêncio profundo para me envolver aos noturnos e sonatas. E a chuva desce gritando. E eu tão sozinho...
As luzes descem dos postes em amarelos aguados. O asfalto se lava e sente frio. As calçadas se desnudam para as correntezas. O vento sopra e uma valsa lenta vai tomando o salão. Somente a noite dança seu instante só seu. A rua é da rua e de mais ninguém. Tudo se banha e se molha para renascer, e talvez amanhã de manhã já esteja tudo deserto, árido, desolador.
A plena escuridão me cairia bem. Não seria ruim que as lâmpadas apagassem agora. Bastaria uma vela acesa, uma chama tosca de candeeiro. Mas nem preciso avistar mais nada, não preciso de outra coisa senão sentir a chuva caindo. E eu sozinho...
Confesso que ficaria aqui em pé até o amanhecer. Não me canso de ouvir o barulho da chuva, de sentir seu sopro molhado em mim. Esse silêncio de gente me faz bem, essa distância de gente me faz bem. Nem eu mesmo sei se permaneço ou se já segui na enxurrada. É que a saudade faz a gente sumir. Se o pensamento viaja, então não sei onde estou se também não sei onde está quem procuro. Não sei a hora. O relógio molhou e parou. Também não precisa.
Mas continuou aqui. Tão sozinho.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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