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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O FRUTO DA SABEDORIA


Rangel Alves da Costa*


Conheci alguém que convincentemente afirmava ter surgido a sabedoria através de sementes, de grãos semeados numa terra fértil, e não de qualquer pessoa que fosse espalhando formas superiores de conhecimento, ainda que este expressasse o saber. E conhecimento significando a percepção sobre a vida, a existência, os caminhos do homem e do mundo. Mas também como o dom de compreensão da realidade, como o cinzel moldando o homem e o seu caráter.
Por consequência, ainda dizia que quando aquele que hoje é conhecido como sábio, filósofo ou erudito, obteve o dom da sabedoria, não chegou a tal aquisição de conhecimento superior porque experimentara dos frutos oriundos daquelas sementes lançadas na terra. E nem porque, vagando pelos campos, adormeceu debaixo de uma árvore sombreada e o sopro suave do vento o envolveu com a imperceptível poeira da terra semeada. A sabedoria lhe chegara por outros caminhos.
E contou o porquê de haver chegado a tal conclusão. Disse-me que num tempo distante, quando as terras eram sempre férteis, as sementes fartas e as semeaduras brotando pelos campos e descampados, um velho viajante amaldiçoou a lavoura verdejante de um rico senhor que lhe negara um pão. Este poderoso era a máxima representação do poder opressor, escravocrata e tirano, com poderes sobre tudo e todos, mesmo não ostentando uma coroa de rei ou agindo sobre o brasão de um reinado.
Mandou esturricar o amaldiçoador e jogar suas cinzas num canto qualquer. Eis que um serviçal espalhou aquele estranho pó em meio a pés de feijão e milho. Dois dias depois não havia mais uma planta em pé. Tudo definhou, secou e também esturricou. Mas no seu lugar surgiu uma planta vistosa, diferente, mas sem ser de imediata percepção por ninguém. Até que o poderoso, passeando pelos seus campos, encontrou aquilo que lhe encheu de espanto.
Mandou chamar os roceiros mais experientes, porém nenhum soube dizer que planta era aquela que, já crescida, fazia pender frutos grandes, sedosos, verdadeiras joias diante do olhar. Mandou chamar os velhos que viviam nas redondezas, porém deles também não obteve qualquer resposta. Apenas um disse-lhe que aquela árvore tão estranha lhe parecia um pé de arrependimento, que toda espécie já desaparecera desde muito tempo, mas que lhe chegou à memória pelo que um dia ouviu de seu avô. Mas disse que não tinha certeza. Mas a dúvida poderia ser tirada pelo velho da montanha.
Com efeito, no ponto mais alto da montanha mais alta morava um velho tido por todos como louco. Desgostoso com o mundo e com o percurso do homem, o velho recolhera-se ali disposto a nunca mais colocar os pés em meio às arrogâncias, crueldades, mentiras, desumanidades, injustiças. Estava colhendo frutos para sua dieta quando foi surpreendido com a chegada dos homens do poderoso senhor lá debaixo. Não adiantou relutar, pois praticamente foi arrastado até ser colocado diante daquela árvore.
Que árvore é esta? Foi a pergunta feita pelo poderoso. Antes de responder, o velho pediu para que trouxessem ao menos três daqueles frutos, pois precisava olhar de perto suas aparências. Com os frutos à mão, logo cuidou de responder para retornar ao seu lar na montanha. E disse: Vejo neste fruto um espelho, neste outro encontro um arrependimento, e ainda neste outro o relógio do tempo.
Mesmo não entendo nada da resposta do velho, o poderoso afirmou que deixasse aquilo pra lá, vez que precisava mesmo era saber o nome daquela árvore. E ordenou que o velho cuidasse logo de responder, sob pena de ser castigado. Então o velho falou: Sim, aí está a árvore da sabedoria. Mas saiba que os seus frutos são mais importantes que ela própria. E não queira saber por que.
O poderoso se sentiu ameaçado e avançou de dedo em riste, exigindo que dissesse logo o que era tão perigoso conhecer. Então ouviu o que jamais imaginava ouvir da boca de um velho tido como louco: Porque essa árvore nasceu aqui e seus frutos vingaram assim tão imponentes, suas sementes cairão e serão levadas pelo vento. E todos conhecerão o que um dia foi feito aqui e a seu mando. No espelho vejo a morte, no arrependimento vejo que será tarde demais para voltar atrás, e no relógio do tempo a certeza que sua fama passará para a eternidade como aquele que fez crescer a árvore da vida e dela surgir o fruto da sabedoria a partir de um ato criminoso. As cinzas de sua vítima alimentaram o que está aí adiante, cujo tronco está enraizado para o sempre.
E acrescentou: Os frutos levarão ao conhecimento de todos o crime que praticou, mas também todas as formas de conhecimento ao homem. Por isso mesmo que a sabedoria nunca será tão útil àqueles que não saibam tirar dela o melhor proveito.
A reação do poderoso foi tão apavorante que dali em diante tudo fez para arrancar aquela árvore. Mas quanto mais derrubava mais ela crescia. E os frutos caídos logo ressecavam e subiam aos ares dando conhecimento ao mundo do bem e do mal existente em tudo.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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