SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 2 de dezembro de 2014

NO SILÊNCIO DA PEDRA GRANDE


Rangel Alves da Costa*


Não havia hora certa do dia, eis que a qualquer instante e ele era avistado em cima da pedra mirando o horizonte. E assim, silencioso e totalmente absorvido pela visão, permanecia alguns instantes ou mesmo horas naquele mirante d’além.
Por vezes parecia uma estátua em cima daquele rochedo. Não raro era avistado madrugada adentro, suportando o sol escaldante ou mesmo debaixo do maior aguaceiro. Calor ou frio tanto fazia, pois até parecia mesmo que se tornava insensível ao clima quanto estava ali.
Quem não o conhecia certamente que via com desconfiança aquelas atitudes. Doido, maluco, sem um pingo de juízo, aluado ou tudo mais que indicasse insanidade mental, de tudo ele já havia sido chamado. E até gritavam na sua direção, e bem próximo para que ouvisse. Também jogavam pedras e diziam asneiras e impropérios, mas nada o fazia sequer olhar de lado ou mudar a direção da visão.
Já outros o conheciam bem e até compreendiam aquele jeito diferente de ser. Contudo, também sabiam que normal ele não era, não podia ser visto como tal, principalmente perante o meio em que vivia. Ora, vivia ladeado de pessoas ignorantes, de pouco estudo e pouca compreensão da realidade e da vida, voltadas ora para a vida dos outros ora para a máxima demonstração de falta de afetos e sentimentos.
Vivia, pois, num lugar de povo rude, ambicioso, fofoqueiro, mentiroso, falso, que desconhecia a existência do próximo todas as vezes que objetivava lucro ou soma. Mas nem todos assim, logicamente, pois também de uma boa parcela de humildes e prestativos, acolhedores e se guiando ainda pelas velhas e boas lições do passado. E eram estes que reconheciam no homem da pedra a virtude que faltava a todos.
E qual virtude era esta? Talvez a virtude do silêncio ou da palavra certa e à pessoa certa. Talvez a virtude de saber ouvir e meditar repetidamente antes de opinar qualquer coisa. Talvez a virtude da certeza de compreender muito além que todos aqueles ao redor e ainda assim ser o mais humilde. Talvez a virtude de querer encontrar respostas e não se cansar de ir buscá-las ali na pedra.
Mas por que na pedra, em cima da pedra grande, se o conhecimento pode ser adquirido nos livros, através do estudo e na aprendizagem do mundo? Somente ele poderia responder por que optou pela pedra como forma de busca de sabedoria, mas certamente muito vinha adquirindo desde que foi ali avistado pela primeira vez. Era outra pessoa. Inegavelmente que a pedra o havia transformado, porém de uma forma ainda incompreensível para a maioria daqueles habitantes.
Eis que a mudança, ainda que refletisse nas suas ações, era algo que enraizava interiormente, como grãos de sabedoria que vão se solidificando na alma e no espírito. E por isso mesmo fazia os seus brilhar tão fortemente enquanto mirava o horizonte em cima da pedra e a sua face se tornar tão serena quando no convívio com os demais. Ademais, havia se tornado uma espécie de sábio, de cujas lições alguns poucos procuravam se alimentar.
Mas absolutamente nada diferente naquela pessoa. Nada de sábio, de filósofo, de profeta ou de mestre. Apenas alguém que subia à montanha para mirar o horizonte e refletir, meditar, pensar e indagar sobre a realidade da vida, do mundo, dos seres existentes. E talvez esteja aí sua grande diferença dos demais daquele lugar. Era o único que se preocupava com o além das coisas, com as substâncias do mundo, com a essência da vida. E também o único que procurava respostas para os tantos questionamentos da existência.
Não era, pois, nenhum ser estranho numa sociedade de iguais, mas simplesmente alguém que buscava no silêncio da pedra avistar além-horizonte e se imaginar encontrando respostas para as insignificâncias logo atrás de si. As pessoas não compreendiam suas razões, mas a pedra sim. E por isso mesmo ela ansiosamente o esperava para ter no seu leito aquela silenciosa sabedoria.
E também o chamava de sábio. Mas ele sequer ouvia a voz da pedra, pois olhando ao longe para avistar e compreender a poesia da revoada.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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