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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

ANO APÓS ANO


Rangel Alves da Costa*


Há um ditado popular asseverando que a cantiga da perua em uma só. Quer dizer, na calmaria ou na tempestade, em tempo bom ou ruim, o gluglu ouvido será o mesmo. Tudo se repete do mesmo jeito, tudo acontece exatamente como em outras situações. O gluglu da perua, ou seu canto mesmice, não se diferencia muito de outras situações na vida, onde tudo se repete como praga ruim. E mesmo que todas as promessas do mundo sejam feitas para um canto novo.
Tal preâmbulo para dizer que ano após ano e tudo acontece como um calendário fixo aonde a pessoa vai apenas mudando a data e não os dias. Desse modo, nada de novo parece acontecer, e raramente acontece, pois as previsões são de que os mesmos eventos de anos anteriores se repitam, mudando somente o contexto e os envolvidos. Infelizmente é assim mesmo que se observa. Aquilo que aconteceu no passado e todo mundo esperava que jamais se repetisse, eis que repentinamente desponta como manchete televisiva.
Tudo isso causa espanto porque o ser humano dividiu o tempo em anos e não quis reconhecer que a existência é uma continuidade só, sem intervalos ou diferenças. Existe a ideia de passado e presente, de ontem e hoje, quando tudo deveria ser visto como prosseguimento, como ininterrupção. Desse modo, não teria cabimento dizer que o homem moderno age com bestialidade primitiva ou que a sociedade moderna não evoluiu em muitas situações. Ora, apenas repete o já conhecido, só isso.
O mesmo se diga com relação à ideia de ano velho e ano novo. Não há ano velho nem ano novo, apenas um tempo contínuo, uma repetência desde que mundo é mundo. O ano que vai nascer vai apenas seguindo os passos de um calendário desde muito vivenciado. E a prova maior é que mesmo daqui a dois, três anos ou mais, e tudo parecerá como se fosse neste ou no ano passado. A não ser no envelhecimento do ser humano, efetivamente não há mudança nenhuma.
Ademais, não há qualquer ano dito como novo que traga coisas novas, pois tudo se copiando com um ou outro aprimoramento, ou até mesmo regredindo. Daí ser errôneo se imaginar que a cada alvorecer de janeiro a vida e o mundo se abrem para novas perspectivas. Não, pois o homem não quer. E não deseja que aconteça porque acostumou com o conhecido e calejado e não se permite qualquer transformação. A verdade é que foge ao reconhecimento dos erros e por isso mesmo nada busca modificar. Contudo, o pior é que vai prosseguindo dando validade a um fardo de coisas ruins.
Sem transformação a partir do ser humano, o mundo – e a qualquer tempo – nada mais será que uma mesmice. Tudo se repete, tudo irrompe quando se tinha como já morto e enterrado. Não há modernidade que mude a mente humana, não há tecnologia que transforme seu modo de ser e agir. Continuará como primitivo, bárbaro, bestial, e somente assim reconhecido porque se esperava ao menos que agisse diferente num tempo onde não há mais que enfrentar o perigoso e desconhecido para sobreviver. O homem de hoje ainda vive de tocha à mão, machadinha de pedra e lança de bambu desafiando feras.
Parece ainda distante, pois 2014 ainda se despede e o dito ano novo só está com as chaves à mão, mas não será exercício de futurologia antecipar o que terá acontecido quando dezembro de 2015 chegar. A verdade é que nos despedimos de 2013 esperançosos demais com o ano que agora se finda. E o que aconteceu realmente na política, na nação, na vida do povo? E assim ano após ano, com cada dezembro representando a fuga das tristezas e absurdos acontecidos ao longo dos meses passados.
Desse modo, não será difícil avistar o final de ano de 2015, na perspectiva de conquistas sociais, da moralidade nas instituições e nos homens públicos, nas ações dos governantes, nas manchetes que estarão rotineiramente estampadas nos jornais e disseminadas pela televisão. A cada início de ano sempre ressurge a esperança que enfim tudo vai melhorar, que os erros cometidos já foram suficientes para não serem reincididos, que as corrupções já foram tamanhas que não há mais espaço para o seu cometimento. Mas ao final de cada ano e a triste certeza de que tudo aconteceu novamente, e de forma mais vergonhosa.
A verdade é que, ano após ano, as retrospectivas de dezembro são as mais desalentadoras possíveis. Entristecem os fatos costumeiros, como as mortes, as catástrofes naturais, as guerras dizimando milhões pelo mundo, a pobreza ainda ceifando também milhões de vidas inocentes. Contudo, são determinados aspectos cotidianos que acabam confirmando que o homem pouco tem aprendido com os erros ou com as novas realidades. Fatos que se suporiam cabíveis somente em outras épocas se alastram de tal modo que mais parecem as barbáries renascidas.
No Natal, por exemplo, além do nascimento do menino, deveria também se comemorar o nascimento do homem novo. Mas não. O velho homem, com suas velhas ações, com tudo que lhe envelhece, será o que se tem como novo a cada ano. E não há ferrugem que vença sua feição corrompida.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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