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domingo, 26 de outubro de 2014

O TERCEIRO TURNO


Rangel Alves da Costa*


Não se imagine que o pleito eleitoral brasileiro terminará com o anúncio do vitorioso no segundo turno. Ao anoitecer deste domingo, 26, certamente que ou Dilma ou Aécio estará festejando a consagração popular, mas consciente que nada ainda terminou, pois um pleito maior e mais difícil se aproxima. Após a posse começa o embate entre o novo governante e o povo, seja seu eleitor ou não. De um lado estarão as promessas e de outro as exigências ao cumprimento.
E então surge um aspecto de maior relevância: O povo pode vencer o eleito em pouco tempo, bastando que este passe a governar sem o aval dos compromissos assumidos, negando seu próprio projeto de governo ou relegando as grandes aspirações populares. Já o eleito terá que suportar uma disputa de quatro anos, procurando, a cada dia, mostrar que é realmente merecedor de aceitação. Enquanto o povo tem o dom de logo rechaçar a postura do eleito, este terá a árdua missão de, desde o início, mostrar que o rumo que está tomando não é diferente daquele caminho prometido.
A disputa do terceiro turno começa, pois, a partir da posse. Diferentemente do que ocorreu no primeiro turno, onde as desconstruções, as mentiras e os confrontos pessoais deram o tom da disputa, e no segundo, quando os dois escolhidos chegaram à arena armados até os dentes para confrontos diretos, rancorosos e deselegantes, o terceiro turno ocorrerá no âmbito das cobranças. Será a vez de o povo se alçar de candidato e buscar derrotar a antiga prática do esquecimento e da inversão dos discursos.
As inversões dos discursos, dos compromissos assumidos e dos projetos defendidos em campanha, sempre prevaleceram ao longo da história política brasileira. Tornou-se praxe que o marketing político, ou o mero jogo de fantasiamento do candidato e venda de ilusões, sempre tenha se sobreposto à discussão e enfrentamento das realidades e a efetiva busca de soluções para os tantos problemas que afligem o país. Por isso mesmo que depois da posse o governante começa a enfrentar grandes dificuldades. E o passo seguinte, diante da impossibilidade de governar segundo o prometido, é se mostrar como outro totalmente diferente daquele da campanha.
A verdade é que nenhum governante respeita a própria palavra, nenhum eleito termina o mandato tendo cumprido ao menos um terço de suas promessas. O protelamento das medidas urgentes e necessárias é um mal também histórico. Por consequência, todo governante se reifica após a posse, se arvora do direito de tudo ser e acaba agindo por pura conveniência. E isso é muito perigoso quando encontra quem o cobre com firmeza do outro lado. E tal cobrança, diante da situação de fragilidade ou dependência que geralmente acaba abarcando os outros poderes, somente o povo poderá fazer.
Em tal perspectiva, de poder do povo sobre o próprio governante, logo o qualifica como rival difícil de ser derrotado no terceiro turno. O eleito tem o poder, tem o mandato à mão para cumprir segundo seus objetivos de governo, mas devendo sempre ter o cuidado de não conflitar sua gestão com os interesses legítimos da sociedade. Ou se amolda aos anseios e clamores sociais ou estará fadado a ser negado até mesmo por aqueles que o apoiaram. Ao menos assim deveria acontecer, eis que somente o povo para impor ao mandatário um governo que não se distancie das promessas e compromissos assumidos.
A afirmativa que ao menos assim deveria acontecer implica também em dizer que nunca acontece assim. Ora, todo e qualquer candidato chega numa campanha já sabendo que deve prometer o máximo porque o povo assimila tudo que o que for prometido, mas depois, com o comodismo que lhe é peculiar, acaba tudo esquecendo. Na maioria das vezes, seria até impossível cumprir metade da cesta de bondades. Mas mesmo assim promete mundos e fundos. E depois, quando toma posse, pouco ou nada faz e, o que é pior, passa a desconhecer o próprio povo.
Mas basta que a sociedade diga que está de olhos abertos para o governante começar a temê-la. Não há nada que mais aflija um mandatário que um povo cobrando, puxando a sua rédea. A sociedade brasileira não gosta muito de fazer cobranças ou exigir posturas que lhe sejam benéficas, tendendo muito mais a pactuar com os esquecimentos e desacertos, mas ainda assim tem tudo para dominar a disputa e sair vencedora. Basta que faça ver ao eleito deste domingo que um mandatário maior da nação governa é para o povo e não para partidos, grupos ou na defesa de interesses pessoais.
De qualquer modo, o terceiro turno envolverá apenas o vitorioso deste domingo e o povo, e num pleito que se iniciará após a posse. A partir daí a disputa poderá ser do governante contra o povo, deste contra aquele, ou até mesmo num pacto onde os dois comunguem suas forças em nome da nação. Mas cabe ao governante evitar que haja qualquer confronto. Agindo segundo as aspirações da população, transmitindo confiança à sociedade e governando com seriedade e pauta desenvolvimentista, certamente que o povo abraçará sua causa.
Por fim, tenha-se que aquela frase tão corriqueira em campanha, dizendo que a vitória do candidato será o povo no poder, é plenamente aplicável no embate entre sociedade e governante. Eis que o povo, a qualquer momento, poderá exigir o poder. Que, aliás, sempre lhe pertenceu.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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