Rangel Alves da Costa*
Nos tempos passados, lembro muito bem, mulher
mostrar a calcinha era coisa verdadeiramente espantosa. Se ao sentar ou mesmo
num mudar de pernas, a peça mais íntima fosse mostrada era coisa de fim de
mundo. Desavergonhada, safada, verdadeira Messalina, era o que diziam as
matronas conservadoras.
Nem pensar em lavar a peça íntima e estender
no varal. Corria solto que o tarado das calcinhas vivia observando os fundos
das casas para ver se encontrava aquilo que mais gostava de cheirar. Moça séria
usar roupa decotada demais de jeito nenhum, do mesmo modo exagerar no batom ou
perfume. Olhar para os rapazes até que podia, mas nada de dar sorrisinhos ou se
mostrar saliente.
Catita tomou uma surra de ficar moída porque
seu pai encontrou debaixo de sua cama uma revista de fotonovela. Deu uma boa
sova na bichinha e disse que aquele tipo de coisa só servia pra ensinar moça
direita a não prestar, pois ensinava tudo e falava sobre tudo, principalmente
mostrava gente se beijando. E filha sua não era pra beijar na boca de ninguém
não.
Ambrósia foi encontrada escrevendo versos
lúgubres, verdadeiramente molhados de sexualidade e desejo, e teve de seguir
prontamente para o convento. O pai, um velho conservador dos tempos dos
carrascais, após lanhar o lombo da filha com chibata de couro cru, logo avisou
que escolhesse ser freira ou ser amarrada e entregue num hospício, pois estava
louca. E a mocinha teve de partir, mas já com a intenção de ludibriar as
freiras e pular da janela para o mundo.
Naqueles tempos, namorar só respeitando os
formalismos e os protocolos familiares. O namorado chegava e sentava numa
cadeira ao lado da mocinha, mas sempre sob a vigilância da mãe, que se danava a
fazer crochê bem em frente. Acaso a mão boba do moço escorregasse um pouquinho
e levemente tocasse na perna da futura esposa, logo se ouvia um pigarreado. Era
o sinal de que estava ido longe demais e desrespeitando o imaculado lar.
Como nenhuma mocinha suportava namorar assim,
sob verdadeira vigilância militar, logo surgiu a ideia de acabar de vez com aquela
situação. Ora, os jovens eram fogosos, desejosos um ao outro, ávidos por beijos
e abraços, bem como outras liberdades do corpo, então resolviam antecipar as
coisas. E faziam isso com a fuga da mocinha. Os dois combinavam e quando
passava da meia noite, com os pais já roncando, ela saía de fininho com mala e
cuia e tomava a porta dos fundos. O rapaz já estava esperando no lugar
combinado e daí era só pegar a estrada.
Mas nem sempre iam longe. Muitas vezes os
pais das fugitivas quase enlouqueciam de enraivecimento quando tomavam
conhecimento do ocorrido. Esbravejando, prometendo encontrá-las fosse onde
fosse, saíam no rastro de suas filhas como se fossem em caçada de bois ou
outros bichos do mato. Nem sempre as encontravam, mas quando conseguiam alcançá-las
não havia mesmo jeito a dar. Diante dos moços, não batiam nem acorrentavam,
porém forçava-os a retornar para o imediato casório. Era a honra familiar que
deveria prevalecer acima de tudo.
Os namoros mais avançados ou mais apimentados
nunca deixaram de existir. E existiam muito mais que o imaginado. Contudo,
verdadeiras estratégias eram colocadas em prática para que os intentos fossem
conseguidos. Os encontros românticos e sexuais eram marcados nos cemitérios,
nos monturos, nos escondidos dos muros, nas distâncias da mataria. E quando uma
mocinha aparecia grávida antes do casamento então era um falatório de não
acabar mais. E se a buchuda nem namorado tivesse, então tinha seu nome
enlameado por muito tempo.
Recordo-me bem de uma tragédia acontecida
após uma traição. O marido deixou a esposa em casa e foi trabalhar num roçado
distante, porém houve um contratempo e o mesmo retornou em pouco tempo. Mas
talvez já suspeitasse de alguma coisa e voltou para colocar em prática o
planejado. A verdade é que a esposa não foi encontrada em casa. Então ele
encheu a espingarda de chumbo grosso e se apressou por dentro do mato.
Encontrou a esposa com outro no exato momento da safadeza, com ele por cima
dela, os dois nus, por riba das folhagens. E ali mesmo os dois foram mortos,
sem tempo de apartação. Em seguida o traído foi até a cidade e avisou a polícia
sobre o ato cometido, se entregando. Na busca da confirmação, cerca de duas
horas depois e os dois foram encontrados como se ainda estivessem no bem bom.
Assim noutros tempos. Hoje não se fala nem
mais sobre isso. Aliás, hoje nem se namora mais. O negócio é ficar, e pronto. E
não precisa sequer saber no outro dia o nome do ficante da noite passada. Que
não se repetissem os exageros de antigamente, mas também não precisaria tanta
promiscuidade e verdadeira prostituição “amorosa”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário