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quinta-feira, 3 de julho de 2014

LAMPIÃO: ESTRATÉGIA E PERMANÊNCIA HISTÓRICA


Rangel Alves da Costa*


A verdade é que a história não escolhe cenários, paisagens ou contextos para produzir os seus feitos. Do mesmo modo, ela não escolhe os homens, os personagens e aqueles que mais tarde estarão nos seus anais e reconhecidos como vultos. Os percursos e as ações vão ditando os acontecimentos e o reconhecimento dependerá da forma como o indivíduo se situou perante as situações. Contudo, homens existem que parecem nascidos para influenciar no seu tempo e entrar para a história.
E assim ocorreu com Lampião, numa junção de diversos fatores. A importância histórica de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, não se perfaz apenas no homem, no líder, mítico e estrategista, mas principalmente no contexto social, humano e geográfico, onde assentou sua fama e reconhecimento. Desse modo, a importância histórica conquistada pelo maior dos cangaceiros deve ser reconhecida como fruto de um contexto - terra e luta - e não apenas pelas suas ações de comandante do famoso bando.
Há de se reconhecer - ainda que tal concepção divirja do pensamento de muitos estudiosos do cangaço - que o sertão enquanto espaço social e geográfico foi o maior responsável pela fama conquistada por Lampião. E não apenas o contexto social e a terra sertaneja, mas o que nela estava germinada e proliferou: o mando, a pobreza, a injustiça, os arranjos políticos e a submissão de um povo. Um fosso terrível entre o poder político e coronelista e o pobre e subjugado homem da terra.
Tem-se, pois, que o rei do cangaço agiu dentro de um cenário completamente tomado por injustiças, por descontentamentos e profundas e problemáticas divisões sociais, pavio embebido para revoltas e vinditas sangrentas. Quer dizer, com Lampião ou sem Lampião o cenário já estava devidamente montado para o surgimento de insurgências e estopins, de contestações e confrontos. E qualquer sertanejo destemido podia chamar para si a responsabilidade da luta, como já havia acontecido com outros líderes de bandos primitivos.
O que o Capitão Virgulino fez - e aí talvez esteja seu maior reconhecimento - foi utilizar com maestria aquele cenário de descontentamento para levar adiante uma guerra que nasceu de cunho pessoal, familiar, a partir de rixas sangrentas de vizinhança na sua terra natal. Mas ele, já tendo feito parte do bando de Sinhô Pereira, não podia mais arregimentar homens com motivos de vinganças pessoais, eis que seu inimigo agora era outro: era o poder corruptor, opressor, injusto.
Desse modo, além das armas próprias, tomou como artilharia a seu favor o próprio sertão. Sua fama de comandante, de líder, de estrategista, está aí. Inegável o seu poder de convencimento, a sua mítica atraindo jovens descontentes para suas hostes, a sua força para justificar uma luta aparentemente impossível de ser vencida. E de repente a maior parte da população sertaneja, mesmo que o temendo, se sentindo também reconhecida naquela luta.
Não são todos os homens, mesmo conhecendo caatingas, veredas, esconderijos e sendo protegido pelos do lugar, que conseguem reinar imbatíveis durante tantos anos. E foram cerca de vinte anos nas brenhas, atacando, fugindo, saindo vitorioso diante das maiores armadilhas do inimigo. Mas nada disso foi conseguindo ao acaso, por golpes de sorte ou pela ajuda de informantes sertanejos.
A sabedoria de Lampião estava em todas as vertentes, desde o trato com o humilde homem da terra ao coronel dono do mundo. Chamou para o seu lado uma leva de coiteiros que não apenas indicavam os lugares mais seguros para o repouso do bando, como serviam de mensageiros e traziam até os coitos tudo aquilo que os cangaceiros precisassem. Era também amigo dos fazendeiros e lideranças de cada região, tendo as portas abertas assim que despontasse nos arredores.
Contudo, nada incomparável à sua inteligente teia de relacionamentos com pessoas politicamente influentes e coronéis poderosos. Foi das mãos do Padre Cícero que recebeu a patente de Capitão, ordenada pelo próprio Estado, numa inútil tentativa que combatesse a Coluna Prestes. Mantinha correspondência com a nata coronelista e por ela era recebido quando bem desejasse. O poderio bélico do bando não seria possível sem a ajuda desses senhores do latifúndio e do mando.
Neste aspecto, até que se poderia ter como incoerência uma luta contra as injustiças praticadas pelo poder e ao mesmo tempo deste receber benefícios. Ora, também uma estratégia de Lampião, a sobrevivência e a permanência da luta, ainda que com as armas do inimigo a ser combatido. Até no episódio de sua morte o líder cangaceiro deixou vestígios de sua descomunal tática de deixar rastros imprecisos por onde passasse.
Por mais que historicamente se tenha o 28 de julho de 38 como o dia em que foi emboscado e morto junto com Maria Bonita e mais nove cangaceiros, na chamada chacina de Angico, até hoje as controvérsias afloram acerca desse fato. Alguns até afirmam que ele não estava mais lá quando a volante cercou o bando, outros dizem que suas sete vidas permitiram que fugisse ileso. E a partir daí, e por muitos anos, vivesse gracejando de sua própria morte.
Fato é que é o homem ainda continua vivíssimo na História. E deixando uma leva de historiadores e pesquisadores atabalhoados em seus rastros.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Um comentário:

Anônimo disse...

Dr. Rangel, continue publicando outras e outras matérias sobre o cangaço, como fez hoje. Irei atentamente.
Abraços,
Antonio Oliveira - Serrinha