SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sexta-feira, 13 de junho de 2014

UMA FOGUEIRA SÓ!


Rangel Alves da Costa*


Este mês de junho promete, e promete muito. Se historicamente o mês junino é tido como um dos mais animados, festivos e barulhentos, agora as coisas prometem ficar mais aquecidas, muito mais crepitantes. Além dos acordes forrozeiros, bombas e chiados de chinelas, gritos, brados e palavras de ordem certamente serão ouvidos. E por algumas razões que ultrapassam os limites das festanças e das comidas típicas ao redor de fogueiras.
As ruas já estão sendo enfeitadas, bandeirolas coloridas já dançam ao sabor do vento, balões são pendurados em barbantes, os ingredientes dos pratos típicos logo estarão à disposição da panela e da fogueira. Já se sente o cheiro e o sabor do milho, das comidas com coco, do cheiro bom de canela e de cravo da índia. Tudo para dar mais sabor ao arroz doce, à canjica, ao mungunzá e logo mais ao quentão. É um mês de muitas iguarias e opções de divertimentos.
Aqui e ali já se ouve o barulho dos fogos sendo pipocados, os céus noturnos já começam a ser iluminados com brilhos faiscantes, as cantorias e os acordes forrozeiros avisam que logo mais as quadrilhas e os arrasta-pés darão a feição da festa. Sobressaindo-se em meio às cores juninas, o verde e amarelo vão pontuando em cada lugar, eis que também é mês de copa do mundo, de motivações ainda maiores para comemorações. E como o brasileiro vive procurando motivos para se divertir, não há período e motivos maiores que os atuais.
Mas, como dito, muito mais será ouvido além do barulho do foguete e do rojão, muito mais será saboreado além da comida junina, muito mais será erguido além das bandeirolas de enfeites e bandeiras com as cores da nação de chuteiras. Muitos começam a aquecer suas gargantas para os gritos, para os desabafos e cobranças desde muito guardadas. As ideologias vão reacendendo suas chamas, as vozes da indignação vão ganhando fôlego. Chega a hora também da prestação de contas.
Se é um período onde os cachorros ficam em tempo de endoidar, correndo para debaixo dos móveis toda vez que ouvem ribombo dos fogos, não será muito diferente para a classe política, principalmente para a presidente Dilma que tentará a reeleição e terá nesse mês junino um verdadeiro teste de fogo. Eis que as lascas da revolta e as toras da repulsa já estão sendo apinhadas para a grande fogueira. E esta, aliás, já foi acesa em muitas regiões do país.
Desde muito que os noticiários dão conta do preparo do povo para a festança. Aproveitando o período junino e principalmente os eventos e jogos da copa do mundo, os foliões que desejam um Brasil mais ético e justo, e os torcedores por uma nação com menos gastança para o agrado da Fifa e mais investimentos na saúde e educação, prometeram sair às ruas em profusão. Vai ser um misto de comemoração e de rebeldia, de erguimento da bandeira pela seleção e contra os políticos e a política, de fazer ecoar o grito de paixão e de aversão.
Até poderia ser festa de aniversário, pois também foi em junho que teve início a onda de manifestações por todo o país. Naquela oportunidade - e fato que fez tremer as bases palacianas e causou insônia na classe política -, os manifestantes abriam seus baús e reivindicavam desde diminuição no valor da passagem de ônibus a aprovação de leis. E foi um rebuliço danado, um corre-corre desenfreado dos políticos e governantes para apagar aquelas imensas fogueiras que já ameaçavam seus gabinetes.
Em pouco tempo poucas chamas ainda se mostravam vivas. E como sempre acontece nos meandros do poder e da governança, basta que as ameaças imediatas se dissipem para que tudo volte ao normal, eis que contam a seu favor com o esquecimento do brasileiro com o acontecido no instante atrás. Desse modo, as promessas foram esquecidas, as mudanças foram postergadas, e tudo a acontecer como antes no reino das espertezas, improbidades e corrupções. Mas a fogueira do povo não estava morta, apenas encoberta de cinzas. E agora renasce novamente assustando os donos do poder.
As ameaças de estrondosamente retornarem às ruas podem não ser confirmadas, mas nunca se sabe o que pode acontecer num povo que de vez em quando faz menção de levantar decidido do sono secular em berço esplêndido. Verdade é que prometeram voltar às ruas para buscar respostas de algumas questões omitidas pelo governo. Querem saber, por exemplo, por que a Fifa mudou a legislação brasileira a seu bel-prazer, por que as obras de interesse da população não foram concluídas no mesmo esforço que os estádios, por que muito do prometido jamais será realizado.
Estas são apenas algumas das muitas questões que estarão no bojo das velhas e nunca atendidas reivindicações. Contudo, o que causa medo aos políticos e governantes não são as manifestações nem as palavras de ordem. O que causa verdadeiro terror no poder é não saber ou não prever até onde e quais os rumos e forças que tomarão tais manifestações. É a perda do controle da situação que faz o milho do governo assar sem ao menos chegar perto da fogueira.
Mas quem viver verá. O mês promete, e muito. As fogueiras logo serão acesas e ninguém sabe ao certo os danos que um eventual descontrole das chamas poderá provocar.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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