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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 31 de março de 2014

CONVERTENDO DEBAIXO DO BREGA


Rangel Alves da Costa*


Aos domingos sempre gosto de preparar um regabofe diferenciado, mais apetitoso. Sou amigo do pernil e da feijoada, mas também de qualquer comida que seja feita com carne nova, comprada na feira. Com a intenção de preparar uma panelada mista de carne de gado com carne de porco e fígado, me dirigi ao principal mercado aracajuano.
Ao lado do centro da cidade, o mercado fica apenas a uns quatro quarteirões de minha casa, mas em cujo percurso tenho de passar por botecos e bordéis com fachada de pousadas e encontrar bêbados e prostitutas ainda em pé da noite passada. Parece que não dormem essas mulheres que amanhecem e anoitecem fazendo ponto aos pés das escadas e nos bares “proibidos”.
Todas as vezes que sigo em direção ao mercado, em torno das seis da manhã, encontro as ditas mulheres da vida já na espreita de macho. Algumas novinhas e já envelhecidas, outras mais velhas e já parecendo mumificadas, mas todas sempre banhadas de perfumes baratos, batons vermelhos além dos lábios e ruges nas faces sem cor. De vez em quando ouço um psiu, mas quase sempre tenho de oferecer um ou dois cigarros.
Mas neste último domingo de março aconteceu algo inusitado. Ao seguir pela conhecida rua, mais adiante avistei uma dessas mulheres conversando com um homem. Logo imaginei que estivessem acertando preços ou coisa assim, mas ao me aproximar mais percebi uma Bíblia aberta na mão do rapaz e ele tentando converter a prostituta. Ora, eu nunca tinha presenciado nada igual.
Logicamente que não parei para ouvir o que ele pregava tão fervorosamente, num esforço tremendo para manter sua atenção e mostrar-lhe os caminhos da salvação. Rapidamente, mas não pude deixar de ouvir palavras como o pecado mortal do corpo, a necessidade de fugir da prostituição para receber os grandiosos favores do Senhor, a vida pecadora como porta aberta para o fogo eterno do sofrimento. E também o ouvi dizer que está escrito em Gálatas 5.
Não pude ouvir os versículos, mas logo me veio à mente a passagem em Gálatas que remete aos pecados da carne:  “Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes. Eu os advirto, como antes já os adverti: Aqueles que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deus”.
E certamente também mostrou na Bíblia em sua mão o que está escrito em Jeremias 3:2: "Olhe para o campo e veja: Há algum lugar onde você não foi desonrada? À beira do caminho você se assentou à espera de amantes, assentou-se como um nômade no deserto. Você contaminou a terra com sua prostituição e impiedade”. E também as palavras em Coríntios 1, 6:18: “Fujam da imoralidade sexual. Todos os outros pecados que alguém comete, fora do corpo os comete; mas quem peca sexualmente, peca contra o seu próprio corpo”.
Dobrei a esquina ainda imaginando aquela cena. Com a Bíblia à mão, o rapaz pregava como se realmente estivesse disposto a tirar aquela mulher daquela vida de pecados, de prostituição e lascívia. E ela, com um leve sorriso nos lábios vermelhos, apenas olhava nos olhos do pregador como se estivesse apenas esperando o momento de falar, de defender a tese de seu corpo e de seu ofício na vida.
Ao retornar, ansioso para saber o desfecho daquela conversão dominical, não avistei mais nem o rapaz nem a mulher. Não pensei duas vezes e perguntei a outra que estava na calçada se havia visto aqueles dois que tanto conversavam por ali. E emendei perguntando se ele havia conseguido converter a mulher. E sorrindo ela respondeu:
“Que nada. Quem converteu ele foi ela. Agora estão lá em cima no bem bom, mostrando como se faz um pecado”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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