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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

CONVENIÊNCIAS DA LOUCURA


Rangel Alves da Costa*


A loucura, insanidade ou desequilíbrio mental, ou qualquer denominação que se dê ao distúrbio psiquiátrico, é lastimosa situação que aflige o ser humano. Contudo, sem chegar ao estágio de perda total do juízo, verdade é que a loucura possui suas conveniências ao ser humano. Às vezes é a própria realidade que transforma o sujeito, o coloca em situações tão adversas que o tresloucamento se transforma em normalidade.
Ademais, nunca é demasiado lembrar que todo mundo carrega em si uma boa dose de loucura. Ou, como afirmam, seria temerosa loucura não avistar sinais de insanidade em cada ser humano sadio. As ações, tão corretas e bem pensadas para alguns, para outros não passam de atitudes impensadas, gestos desatinados, verdadeiras loucuras. Daí ser difícil dizer qual ação está plenamente revestida da razão.
Essa feição de loucura serve a diversos propósitos. Toda ação infundada, impensada ou desavergonhada possui a insanidade como desculpa. E um chega e diz que só mesmo estando louco para ter feito o que fez; o outro afirma que só mesmo um doido para fazer uma besteira igual aquela. Antes mesmo da ação, nos conselhos, diálogos abertos ou alertas, não é difícil se ouvir que não aja como louco, não incorra numa maluquice dessas, que seria a maior doidice do mundo tomar tal atitude.
Reconhece-se também que a loucura acaba fazendo bem a muitas pessoas. Daí que agem como loucas todas as vezes que precisam resolver problemas difíceis, fazer mirabolantes escolhas ou mesmo levar adiante algo impossível de ser realizado na normalidade das situações. Parecem desconhecer-se a si mesmas, perder a noção de cuidado ou precaução, e de repente já estão agindo contra todas as expectativas. E nada seria possível sem uma dose de loucura para, através de linhas tortas, encontrarem a melhor saída.
Verdade é que a loucura outra ou doidice própria de cada um está mais cotidianamente presente do que qualquer ser possa imaginar. Ademais, em determinadas situações fica até difícil saber o que é um ato impensado, desajuizado, ou mesmo uma ação corriqueira, da normalidade humana. Eis que os absurdos são cometidos de modo tão contumazes, rotineiros, que ninguém sabe mais dar juízo de valor ou de realidade a determinadas ações.
Ora, não há como não se vislumbrar loucura naquelas pessoas normais e seus atos inexplicáveis. Mas os argumentos para se aceitar, ou não, determinadas atitudes como gestos de insanidade são também contraditórios. Há os que defendem a liberdade de consciência e de ação como algo que não pode ser contestado por nenhuma outra pessoa. Contudo, muitos são aqueles que tendo por base o bom senso e a racionalidade, logo contradizem os gestos desarvorados de qualquer um.
Verdade é que muitos acham dentro da normalidade que o outro, tido e havido como de juízo perfeito, de repente amarre uma lata no rabo do gato, crie uma cobra venenosa debaixo da cama, permita que o seu filho adolescente saia por aí dando cavalo de pau com seu carro. Ou ainda que por desgosto ou ciúme atire contra o próprio pé. E no gesto ainda mais desesperador, suba no oitavo andar e ameace se jogar de lá se a ex-namorada não aparecer por ali para vê-lo naquela situação.
Seja como for, sempre será difícil definir a loucura nas pessoas tidas como normais. Mais complicado ainda porque se um doente mental atira pedra em alguém, revira a lixeira do jardim ou risca um muro recentemente pintado, sempre terá seu estado mental como objeto de condenação social. Mas se outra pessoa qualquer faz o mesmo, dificilmente será vista como louca. No máximo como desordeira.
Do mesmo modo arrancar uma flor de um jardim alheio. O louco de verdade faz isso na maior normalidade do mundo. Mas o apaixonado também. E paixão não acaba enlouquecendo? Então tudo se justifica.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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