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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 5 de janeiro de 2014

DEZ COISAS PARA FAZER DEPOIS DE MORRER


Rangel Alves da Costa*


Talvez o tempo de permanência na terra seja curto demais. Pessoas existem que realmente se vão muito cedo. Outras permanecem inertes por achar que ainda terão muito tempo para realizar. E de repente tudo acaba sem nada ter feito.
Talvez a velha e persistente preguiça impeça de fazer aquilo que deveria. Ou talvez a procrastinação, o sempre deixar pra fazer depois, atrapalhe as realizações. Não raro que as realizações, se somadas em importância, não tenham grande valia.
Realizar, proveitosamente, enquanto a vida permite deveria ser uma obrigação moral e pessoal de cada um. E os motivos são muitos para transformar a vida em práticas úteis. Contudo, por mais que vivessem a eternidade, ainda assim muitos permaneceriam na inércia dos preguiçosos e improdutivos.
Entretanto, considerando-se que muitos se vão sem alcançar sequer metade de seus objetivos na vida ou sem poder transformar o seu meio segundo seus desejos, o único jeito é deixar pra depois, quando morrer. Mas será possível?
Certamente dirão ser impossível fazer qualquer coisa depois da morte. Ou fez em vida ou nunca mais fará. O que não realizou de olhos abertos jamais poderá ser feito de olhos eternamente fechados. Mas acho que não é bem assim. Creio ser possível fazer muitas coisas mesmo depois da morte.
Dante Alighieri não me deixa mentir. Sua Divina Comédia traça o percurso póstumo de muita gente importante. Se bem que tudo ali depende do que foi feito em vida, desde a estadia em diversos patamares do merecimento pessoal, ainda assim muito se avista como nova realidade.
Não se espere, logicamente, que a pessoa morta procure a concessionária para escolher o carro dos seus sonhos ou que adquira uma bela casa de campo, ou mesmo que venha pagar débitos desde muito atrasados. Nada disso será possível, mas outras coisas sim, como serão demonstradas.
Pessoalmente, o falecido, dependendo de como se deu a sua permanência na terra, poderá ter muitas opções lá em cima, ou simplesmente ser forçado a fazer lá embaixo. Ou mesmo realizar algumas coisas entre os vivos. O restante será feito em seu nome, pelos seus entes, de modo a preservar sua memória ou rapidamente transformá-la em esquecimento.
Delimitados os poderes de realizações do morto, urge apontar aquilo que o mesmo poderá fazer após a passagem. Eis, então, as dez coisas para fazer depois de morrer:
1. Recebendo o visto de entrada no céu, terá tempo mais que suficiente para fazer caminhadas por belíssimos jardins, ouvir orquestras de anjos, meditar profundamente, reconhecer que tal dádiva só é reconhecida às pessoas de bem.
2. Diante dos bons e floridos caminhos ou ao redor dos lagos límpidos e perfumados do paraíso, poderá caminhar em busca daqueles que tanto gostava. E muito terá de falar sobre os que ficaram e ouvir acerca de sua nova morada.
3. Certamente ficará desapontado ao procurar por velhos amigos e não conseguir encontrá-los por ali. Eis que em vida não foram suficientemente bons para garantir um lugar entre os escolhidos. Certamente estarão num lugar muito diferente dali. E é melhor não ir procurá-los por lá. A não ser...
4. A não ser que sua estrada também tenha sido outra. Desviado o caminho e apontado outro portal, o sujeito haverá de provar que não foi tão ruim assim em vida para merecer padecimentos. Neste momento, com a força da oratória que nunca explorou quando vivo, terá de mostrar que seus pecados foram apenas mundanos e não mortais.
5. Dependendo de onde fixe residência após a passagem terrena, terá reconhecido seu direito de regressar como espírito bom ou ruim. Subirá arrastando correntes ou descerá com feição de saudosa candura. É assim que se mostrará aos seus. E a preferência deve ser feita ainda em vida.
6. Contudo, pode ocorrer que a pessoa não é aceita no céu nem é merecedora da dolorosa escuridão. Fica num patamar entre acima e abaixo, precisamente na fronteira terrena. Eis que lhe é dado o direito ou a oportunidade de se redimir, de reparar erros cometidos. Daí ser um espírito que continuamente vaga tentando alcançar o perdão daqueles que tanto afligiu.
7. Tendo garantida a estadia no paraíso e mantendo amizade com as forças superiores, não poderá esquecer-se daqueles seus que tanto necessitam de ajuda divina. É o momento de interceder invocando a proteção e o olhar divino sobre aqueles aflitos que continuam na terra.
8. Enquanto falecido que dignifica sua morada lá em cima, certamente lhe será concedido o direito de passar férias junto aos seus, aqui na terra. É o momento em que pressentem sua presença, sentem como estivesse ao seu lado. Que esteja, mas agindo apenas na presença invisível e despertando a saudade boa.
9. Certamente muitos não seguem os conselhos superiores e se mostram como se vivos estivessem. Além de amedrontar e fazer desacreditados os seus, perderá ótima oportunidade para, na invisibilidade, presenciar o mundo que ainda é tão seu e sentir onde caberá maior intercessão divina.
10. Mas, acima de tudo, reconhecer que a morte jamais será o fim de tudo, pois permanência. E mais força de permanência terá aquele que foi digno enquanto viveu. E não morrerá aquele que viveu para o bem.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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