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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

ESCRITOS PARA NINGUÉM


Rangel Alves da Costa*


É costumeiro que escritores escrevam pensando nos possíveis leitores e visualizando mentalmente, no ato da escrita, algumas possibilidades: a percepção e compreensão da mensagem, a interação com o que está escrito e, principalmente, que provoque o impacto necessário para o reconhecimento e o elogio.
Contudo, desde algum tempo que venho fugindo desse costume. Atualmente, apenas escrevo, escrevo e escrevo. Faço do ato da escrita uma condição da própria vida. Jamais viveria em plenitude se não colocasse em páginas e mais páginas os pensamentos que me chegam ao acaso ou aqueles aos quais procuro como motivações. E são muitas.
Hoje faço isso por mim, intimamente, mas já o fiz pensando somente em agradar ao leitor. Não nego que já me neguei pensando contentar os pretensos leitores, que já fugi das minhas características objetivando o outro, que já fui eloquente e acadêmico demais querendo ser útil ao gosto dos mais exigentes. Mas jamais consegui ser uma coisa nem outra, nem ser aceito pela maioria dos leitores nem agradá-los.
Segundo alguns teóricos (e como me desagradam as teorias, os academicismos, a geometria literária), um texto precisa ter título chamativo para despertar a atenção. Talvez o conteúdo em si não valha nada, mas basta que a primeira chamada seja atrativa e certamente alguém sobre ele se debruçará. Tenho certeza que funciona assim. Mas também não quero ter nos meus textos um leitor apenas de títulos.
Dificilmente um título provocativo possui adiante o mesmo estímulo, a mesma provocação. Daí que não me preocupo com intitulações senão com conteúdos. E estes, que antes eram produzidos para os outros, os leitores, agora basta que me agradem, que sirvam à minha fruição. Agora escrevo apenas para o meu deleite, a minha autoapreciação. 
Não adianta escrever para o leitor quando este não dá a mínima para o escrito. Prova disso está no número de leitores dos meus textos, seja em qualquer site. Por vezes passo longo tempo escrevendo e reescrevendo um texto para não ser lido por absolutamente ninguém. Isto ocorre muito no Recanto das Letras. Sou mais visitado no meu blog (blograngel-sertao.blogspot.com), local muito menos conhecido, do que em qualquer outro lugar.
Eis que aquilo que vaidosamente reputo como um texto bonito, bem elaborado, de agradável leitura, de repente se torna totalmente despercebido. Ora, e se ninguém arrisca lançar o olhar sobre ele e talvez avistar qualquer qualidade, simplesmente não há o que fazer. Ademais, tentar conhecer o gosto dos outros é se perder na receita da impossibilidade. Mas que assim seja.
Escrever não é tarefa fácil não. Por mais que o escritor já chegue diante da máquina trazendo na mente uma página completa, ainda assim se esforçará muito para alcançar algum bom resultado. Fato é que além da ideia ou conteúdo, outros fatores o colocam numa camisa de força. Muitas vezes está preso à grafia, ao novo vocabulário e uma série de nuances que até atrapalham o desenvolvimento livre do texto.
Contudo, que ninguém sequer imagine que deixarei de escrever. Como afirmado anteriormente, a escrita é seiva e essência, ânimo em todo o viver. E talvez até procure redobrar o número de escritos e suas publicações. Só que sem qualquer compromisso com quem esteja na condição de possível leitor. Escreverei como alguém que precisa respirar do próprio escrito.
E que excelente ideia pensar assim. Agora que se dane a gramática e suas estruturas, as correções gramaticais e seus descabidos contextos; agora que se dane a métrica literária, a coalizão, regras e tudo o mais. Abro a gaiola de meus textos e deixo que voem com a liberdade da criação. E povoarei o espaço ao meu redor com asas de personagens que viviam escondidos, com escritos de terra e fogo, com o linguajar matuto, com vixe, vosmicê e o escambau.
Serão escritos para ninguém. Ou quase ninguém, pois sei quem ouve o meu canto e acolhe o meu cantar do jeito que sou e escrevo.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

2 comentários:

Ana Bailune disse...

Bom dia! Já tentamos tantas vezes agradar aos outros e preencher expectativas alheias... que escrever agrade a nós mesmos. Bom Natal!

Anônimo disse...

Caro Rangel: Não sei os demais leitores do seu blog, mas, confesso-lhe que todas suas crônicas e artigos publicados estão salvos em meu HD, e aqueles que dizem respeito ao cangaço, além de salvos, são transformados em cópias e encadernados para meu trabalho de pesquisa. Se são ótimos textos, por que não lê-los e estudá-los?
O mesmo acontece com as matérias dos pesquisadores Archimedes Marques e José Mendes da grande Cidade de Mossoró.
Abraços,
no aguardo do livro LAMPIÃO ALÉM DA VERSÃO, do mestre Alcino Costa.
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha-Bahia.