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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

DEZEMBROS


Rangel Alves da Costa*


Os dezembros ainda restam no calendário, já disse o poeta. Eu diria que os dezembros se perderam entre a pressa do tempo e a falta de tempo das pessoas para pensar no seu significado e vivenciar os seus dias. O que se tem hoje é apenas um mês, ou o último mês do ano, marcando uma passagem no calendário. E apenas isto, infelizmente.
Verdade é que os dezembros são outros, muito diferentes daqueles que marcavam o fim de ano com sentimentalismo, religiosidade e confraternização. O mês é o mesmo, as expectativas pela sua chegada são as mesmas, as perspectivas no seu percurso também, mas verdadeiramente não há mais aquele simbolismo quase poético que havia noutros tempos.
Não se cuida aqui da necessidade de rebuscar aquelas feições dezembrinas de antigamente. Praticamente impossível os parques festivos com seus carrosséis, carrinhos, pipocas coloridas, algodão doce e maçã do amor. E também não haverá famílias passeando alegremente, meninos puxando os pais pelas mãos em direção aos brinquedos, namorados de mãos dadas celebrando as esperanças.
Eis que os tempos são outros, verdadeiramente. E mais insensíveis, desarmoniosos, despidos dos afetos tão necessários ao convívio social e familiar. E nem mesmo o mês mais significativo entre todos, que é dezembro, consegue restabelecer nos corações sentimentos de reflexão, fraternidade e comunhão. E houve um tempo que bastava que o mês se anunciasse e uma feição humanista e sublime começava a pairar sobre tudo e todos.
Mas não precisava que esta feição viesse acompanhada dos costumes dezembrinos antigos, bastando que o homem refletisse mais sobre sua condição nesse novo tempo. Que ninguém ansiosamente espere o carteiro chegar com aqueles memoráveis cartões de natal repletos de dizeres bonitos. Os cartões natalinos sumiram até das mãos dos vendedores ambulantes e das livrarias. Até Papai Noel e os enfeites da época estão perdendo importância.
Seria demasiado longo citar o que já foi da essência do mês de dezembro com todo o seu arcabouço comemorativo de final de ano. O que hoje praticamente não existe mais, noutros idos não podia faltar de jeito nenhum. Ora, impossível o percurso do mês sem que as lojas distribuíssem calendários e folhinhas aos clientes. Até chamadas televisivas e radiofônicas eram pagas pelas empresas para desejar boas festas e feliz ano novo. Os carros de propaganda rodavam o dia inteiro anunciando os votos de felicitações.
Sim, ainda restam os amigos secretos, as confraternizações, os presentes, alguns enfeites natalinos. E só. E tudo tão frio, apático, desinteressante, apenas como formalismo comum de qualquer ocasião. Continuam as ceias, mas estas já desprovidas da magia de outros idos, vez que caracterizadas muito mais como festins do que mesmo como reencontros familiares ao redor de uma mesa com as comidas típicas natalinas.
Singelas e tão esperadas eram as lembrancinhas de natal. Agendas eram os presentes mais costumeiros, mas também simples adornos pessoais de grande importância e significação. Hoje se reconhece o preço e o requintado embrulho e não a lembrança em si. Num tempo assim, tão voraz e interesseiro, certamente que as crianças nem sabem o que significa colocar um sapatinho na janela à espera da visita do bom velhinho.
Dificilmente alguém ouvirá de uma janela aberta a harpa de Luis Bordon e suas canções natalinas. Os presépios com pedras e capim, bichos e imagens de barro, manjedoura tosca, também se tornaram raridades. As árvores de natal sumiram de muitos lares, não há mais enfeites natalinos e nem cartões colocados ao lado das bolas coloridas. As decorações modernas privilegiam as tecnologias que tornam hienas em verdadeiros carros alegóricos.
Mas tudo isso já era muito previsível, lamentavelmente. O progresso muda os costumes, os novos tempos implicam em diferentes formas de pensar e agir, as mudanças acabam desumanizando as pessoas. A religiosidade e a fé não são mais as mesmas, os sentimentos verdadeiros se entrincheiram envergonhados de se mostrarem afetuosos e singelos, o homem petrificou-se de tal modo que sobrevive das aparências irreconhecíveis que os encobrem.
Os tempos são outros sim, e não se pode voltar atrás. Mas o homem não teve mudada sua estrutura física nem mental. O coração ainda é o mesmo. E por isso mesmo acaba sendo o responsável pelas escolhas que acaba fazendo. E deixar de transparecer, por insensibilidade ou desumanização, tudo de bom que seu espírito anima e sua alma contém, acaba transformando uma época tão significativa, como é o natal, apenas numa prestação de contas de quanto deixou de ganhar.
De grande utilidade espiritual seria se o homem ainda pudesse conviver, mesmo em meio a pressas e açodamentos, um pouco mais consigo mesmo. E dezembro é a grande oportunidade de isso acontecer.  Mês espiritual, sentimental, terno e afetuoso. E com aquele clima nostálgico que precisa ser reencontrado dentro do coração de cada um.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

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