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sábado, 26 de outubro de 2013

PALAVRAS DE AMOR PARA UM OUTONO QUALQUER


Rangel Alves da Costa*


Há instantes em que a grandeza do amor passa a se afeiçoar com a paisagem do outono. O coração florido, o contentamento do ser, a alegria da comunhão, tudo se transforma na fragilidade da folha que agoniza seus últimos instantes.
Eis que o amor também perde a seiva; eis que o querer também se indaga sobre sua razão de ser; eis que a sequidão também chega ao beijo e a aspereza enlaça o abraço. E todo aroma e perfume da alma que ama tende ser levado pela ventania antes que exale para fortalecer a relação.
E tudo fica tão difícil e triste, tudo tão doloroso e angustiante. O outono se vai com a esperança de renascimento em outra estação, de ressurgir para o ciclo da existência, mas nem sempre assim ocorre com o amor. De repente se vai e completamente se esvai, pois a ventania da incompreensão pode seguir por curvas indesejadas.
Mas sempre haverá esperança para os que compreendem o outono e nele folheia um livro ensinando superar as ameaças e dificuldades do amor. E livro que fala em adeuses e despedidas, em tristezas e melancolias, em solidão e padecimento, mas também em renascimento.
E no folhear das horas entristecidas de saudades tantas, ali encontrará verdadeiras lições para superar as angústias e aflições:
Mire-se na folha seca, na folha frágil, na folha apenas fim. Perdeu a seiva como o amor perde o viço e o encanto. A folha espera a ventania e sabe que vai partir. Não há nada que possa fazer naquela estação. Mas o amor pode superar ventanias e vendavais, tempestades e ameaças, bastando que queira renascer sem ter de morrer.
Mire-se nas folhas mortas, nas folhas caindo, no chão tomado de cores frágeis, de levezas sem vida. Tudo ali sequer sabendo que será juntado e incinerado, transformado em fuligem para esvoaçar pelo tempo. Mas o amor, ainda que caído e ferido pelas circunstâncias, não se deixa levar para o esquecimento. Espera o vento e alça voo para, lá em cima, voar como pássaro que vai em busca do seu ninho.
Mire-se nas tardes tristes, nas cores cinzentas do entardecer, no jardim abandonado, nos bancos encimados por folhas mortas, no silvar lúgubre da ventania, na tela triste esquecida pelo pintor solitário. Que paisagem e cenários terríveis, dolorosos, angustiantes. O amor tem essa mesma feição todas as vezes que é tratado como um outono qualquer. Caberá aos dois renovar o jardim e prepará-lo para a nova estação.
Mire-se nos ninhos ocos, vazios, abandonados, nos galhos cinzentos e secos, nos troncos retorcidos e quebradiços, na feição tristonha da natureza e tudo ao redor. Tome como exemplo a solidão ali existente, a falta de canto passarinheiro, as cores mornas do entardecer. Desse jeito é o coração vazio, o sentimento fragilizado, a desesperança amorosa, a dor pelo distanciamento. E o amor não obedece a um ciclo inevitável, e por isso mesmo pode ser renovado a qualquer instante.
Mire-se na ideia que as pessoas fazem do outono, como elas fogem do outono, como elas falam de forma tão entristecidas sobre essa estação. E sequer consideram que é apenas um ciclo natural que inevitavelmente acontece. Por que acontece assim? Ora, simplesmente porque possuem outonos escondidos na alma e lhes amedrontada o simples pensamento sobre sua existência. Daí que a relação amorosa deve também reconhecer a inevitabilidade de seus outonos.
Mire-se no calendário, nas suas folhas, nos dias que vão passando, no tempo. Mire-se nas horas se preciso for. Mas procure entender que nada é contínuo ou eterno, que tudo passa. Algumas coisas morrem, outras se transformam para continuar existindo. E a vida do amor precisa saber o qual futuro lhe é desejado. Ser o último outono, ou ser este e mais outros, e no percurso as flores vivas e perfumadas para alimentar o querer?


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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