SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 19 de outubro de 2013

LOROTAS DE PÉ DE PAU


Rangel Alves da Costa*


Sou do mato, sou matuto, e sei muito bem como essas coisas acontecem. O cabra vai chegando debaixo do pé de pau, encontra o amigo de proseado ali sentado e logo começa o conversê de todo dia, coisa pra matar o tempo do entardecer.
A primeira coisa que um diz pro outro é que não é homem de mentira nem gosta que venham contar lorota no seu ouvido. Já o de lado ajunta que homem que se respeita não anda com conversinha, igual a um certo compadre que diz falar com os bichos. Não só fala como até joga um carteado com um jumento que tem no pasto.
O outro diz que aí já demais, que aí já é querer fazer desfeita e desrespeitar o outro. Quem ia acreditar numa conversa dessas, nesse conversê desgramado dizendo que bicho entende de jogo e que joga. Ele não aceita que cheguem perto pra falar essas coisas de jeito nenhum. Homem de bem faz como ele que prova tudo o que diz.
Apenas diz, mas não prova nadica de nada. Muitas vezes é muito mais mentiroso do que o maior loroteiro que possa existir. E esse cabra mesmo metido a besta, a ser sério demais, certa vez começou a contar um causo a esse mesmo amigo, mas mentira tão desavergonhada que este acabou tendo de inventar uma desculpa pra sair correndo dali. Mas nem sei por que fez isso, pois achegado também a uma descarada invencionice.
Certa feita contou ao companheiro de prosa a história da cobra que virava cobra. E disse que havia uma cobra que se transformava num piolhinho pequeno de cobra, coisa piquititota que mais parecia um fiapinho, para depois se transformar numa cobra grande, e a maior já vista pelos arredores.
Quando queria comer alguma coisa, engolir qualquer pessoa, bicho ou objeto, chegava por ali toda mansinha como quem nada queria. Mas também ninguém a enxergava porque a bicha se escondia em qualquer buraco que coubesse uma lagarta de fogo, dessas bem pequeninas. Ficava por ali observando tudo e esperando a presa. Então de repente se afastava um pouco para se transformar numa serpente imensa e temida só no avistamento.
Certa feita uma dessas bichonas engoliu três bezerros, o dono dos animais e o pequeno curral onde eles estavam. E tudo de uma abocanhada só. Quando já ia partir pra abocanhar a casa com chiqueiro, porcos e tudo o mais, eis que alguém chegou correndo e acabou com a festa. E tudo sem armas, sem canhão nem mosquetão, apenas com uma palavra.
Tomado de espanto, o outro que estava ouvindo perguntou que palavra foi essa pronunciada para acabar com a festa da comilona. Então o contador do causo pigarreou, deu uma baforada no cigarro de palha e disse que a palavra dita não foi outra senão gorducha. Mas não somente isso, pois acentuou repetindo gorduchona, baleia, feia.
Ao ouvir isso a cobra ficou com uma raiva tão grande que cuspiu tudo que já havia guardado na barriga e voltou a ser o esbelto e sorridente piolhinho de cobra. Foi nesse momento que o cabra correu pra cima e deu-lhe uma pisada tão forte com a alpercata de couro cru que a cobra disfarçada esfarelou na hora. E nada disso havia sido mentira não porque tinha sido ele mesmo o autor dessa façanha.
Quando ouviu o resto da conversa o amigo logo olhou desconfiado, balançou um pouco a cabeça como quem não acreditava em nada daquilo, mas para não criar desfeita seguiu contando um causo acontecido com ele mesmo. Mas assim que começou a falar foi interrompido pelo matador de cobra implorando por tudo na vida, pelo amor de Deus que não viesse com conversa mentirosa, pois não suportava esse tipo de coisa.
Mas o outro continuou contando seu causo. E prosseguiu dizendo que certa feita tinha uma alpercata de couro igualzinha àquela usada pelo amigo pra matar a cobra. Mas a bicha era tão grande, tão grande de um jeito, que certa feita tirou dos pés para tomar banho num riacho e depois acabou tendo de subir nela com a maior dificuldade do mundo. E tudo porque a alpercata tinha se transformado num penhasco. E apontou em direção a um imenso rochedo na saída da cidade.
O outro se levantou e disse raivoso que fizesse o favor de nunca mais abrir a boca pra contar mentira. E saiu zangado, sem olhar pra trás.


Poeta e cronista
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