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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 9 de outubro de 2013

DONA EMELIANA, A ÚLTIMA RAIZ


Rangel Alves da Costa*


Muitos nomes para ser apenas uma: avó. Emeliana Marques da Silva, Dona Emeliana, Meliana. Fruto envelhecido no pomar do tempo, água que deixou de correr nas veias hereditárias, flor e folha de jardim nas mãos de qualquer outono. E raiz. Sim, última raiz restante do meu sobrenome. E de tanta gente também.
Partiu na idade daqueles que verdadeiramente conheceram o tempo, pois na fronteira dos noventa anos. E agora apenas a despedida da forte e vigorosa mulher que abraçou seu destino sertanejo ao lado do seu amado Ermerindo, em cujo abraço fez gerar uma grande e vitoriosa prole. Dez filhos:  os falecidos Maria José, Deijanira, Milton, José e Alcino, e os que ainda continuam com passo na estrada: Nilton (Mimim), José Carlos (Pedrinho), Vera Lúcia, Gerino e Vanda Lúcia (Vandinha).
Também filha de uma portentosa família, tronco de produtiva raiz, sendo muitos os filhos trazidos à terra do sol pelo caboclo casal. Foram nove mulheres e dois homens os filhos de Antônio Marques e Maria Madalena (Mãe Véia). As mulheres: Emeliana, Conceição, Osana, Isabel, Rosinha, Mãezinha, Mariquinha e Cordélia, são estas que me chegam à recordação. E um filho famoso batizado como Manoel Marques da Silva, mais tarde apelidado como Zabelê no bando de Lampião.
Senhora e Rainha da Santa Rita, mulher que um dia foi comerciante, dona de hotel e pousada, e mais tarde apenas a esposa de Seu Ermerindo, a este deu o adeus maior em 1990. Com o falecimento do seu amado, a casa onde sozinhos moravam ficou grande demais para um coração partido. Mas ali permaneceu - e continuou - tentando dar continuidade à vida e recebendo os seus.
Ficava verdadeiramente radiante, os olhos começavam a brilhar diferente toda vez que um neto chegava ali para dar a benção. A família sempre foi seu orgulho maior, estar perto dos seus causava-lhe intensa alegria, satisfação, renovação do ânimo. E tantas vezes ali cheguei para encontrá-la sentada no sofá e de repente se tomar de espanto com a minha presença. Parece que estou ouvindo: “Meu filho!”.
Minha mãe, meu pai, e a raiz paterna: Seu Ermerindo e Dona Emeliana
Mas hoje sei que tudo está tão diferente. Muito diferente. Desde algum tempo que ela passou a ter problemas nas pernas, ficando impedida de caminhar. Depois surgiram problemas de visão, não enxergando quase nada daquilo que surgisse à sua frente. E o mais doloroso: Somente através da voz e do nome ela passou a reconhecer os filhos, netos, parentes, amigos.
Tanta tristeza ao lembrar que diante dela eu não era mais seu neto, não era nada. Não avistava mais, não podia reconhecer mais. Eu tinha de falar que estava ali para nela ser despertada a minha imagem e depois esboçar um sorriso, um gesto de satisfação. E é verdade o que agora vou confessar: Em visitas a Poço Redondo evitava ao máximo estar passando sempre diante de sua casa.
Toda vez que ali entrava eu recebia uma pontada no peito de quase não suportar. Encontrá-la deitada no sofá, sem nada enxergar, sem poder levantar sozinha e dar qualquer passo ao redor, significava estar diante de uma imensa aflição. E o mais doloroso é que eu não conseguia avistá-la naquele estado senão como aquela avó que mais parecia a  mais bela e forte das baraúnas sertanejas.
Nesse mesmo estado ela continuou por muito tempo, e infelizmente as notícias que me chegavam não eram nada alentadoras. Seus problemas de saúde cada vez mais se agravavam; a junção da idade com as enfermidades tornavam as esperanças num desafio. E a primeira triste constatação: Foi seu debilitado estado de saúde que impediu de ser informada que o seu filho, Alcino, estava sendo velado num salão ao lado de sua casa, na Câmara de Vereadores, naquele já próximo dia 02 de novembro.
E agora a segunda e mais dolorosa constatação: o seu falecimento depois de períodos de internação e de agravamento do estado da saúde já longamente debilitado. E com ela se foi a última raiz e sombreado daquelas portentosas árvores sertanejas que tanta semente boa colocaram no meu caminho.
E eu que precisava tanto dessa última raiz para continuar com forças, para dizer ao meu coração que mesmo sem pai nem mãe vivos, sem os avôs maternos e sem o avô paterno, ainda a tinha como sustentáculo maior no chão dos meus dias. Mas agora as árvores da vida sumiram todas do meu sertão.
Que as sementes das lições deixadas possam frutificar na aridez da estrada. Lágrimas não faltarão para fertilizar a terra. Que esteja sempre ao lado de Deus e dos seus, Dona Emeliana!


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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