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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A INVASÃO DOS GRILOS


Rangel Alves da Costa*


Final do inverno e início da primavera traz consigo não só esperança de novos dias com a estação mais florida, mas também a chegada de visitantes indesejáveis. Dentre estes se sobressaem a mudança climática, com a volta de tempos mais quentes e a aproximação dos dias de calor insuportável, e também a visita dos grilos estridentes e detestáveis. E insuportáveis, principalmente.
Mas também é o período que outros assemelhados aos insetos grilídeos, não menos estridentes e enjoativos, começam suas cantigas azucrinantes, vez que se aproximando o período fértil das composições para as eleições do próximo ano. Eis que assemelhados aos grilos são os políticos em busca de acasalamento, flertando dentre os partidos, espalhando pela mídia como realizações aquilo que jamais fizeram. Igualmente aos insetos, também atazanam os ouvidos com seus engodos verbais.
Os grilos são insetos caseiros, próprios das residências, nunca desaparecem totalmente nem deixam de cortar os silêncios com os seus inconfundíveis sons. Noutras épocas, dificilmente alguém consegue avistá-los, pois sempre escondidos pelas frestas, nos ocos dos paus, embaixo ou dentro de qualquer coisa. Não vê, mas não consegue deixar de ouvir suas presenças. Instante a instante, o dia inteiro. Político também faz assim, pois passa a maioria do tempo recolhido nas suas tocas.
Mas agora a coisa está exagerada, pois a petulância dos insetos chega a ser entediante e intolerável. Desafiadoramente, e aos montes, saem de seus esconderijos, entram pelas portas e janelas e, sempre entoando suas estridências, se instalam por todos os lugares. Debaixo dos lençóis, dentro dos sapatos, armários, gavetas, estantes, por todo lugar eles buscam abrigo. A sorte maior é que não decidem, conjuntamente, ressoar a sinfonia irritadiça. 
É neste período do ano, pois, que os grilos surgem como verdadeira praga. A Bíblia trata da invasão de insetos como castigo divino.  Gafanhotos saem pela terra para castigar infiéis e mostrar onde reside o verdadeiro poder. “E cobrirão a face da terra, de modo que não se poderá ver a terra; e eles comerão o restante que escapou; também comerão toda a árvore que vos cresce no campo. E encherão as tuas casas, e as casas de todos os teus servos e as casas de todos os egípcios”. Está escrito no capítulo 10 do Êxodo.
Descrição bíblica de praga tão apropriada aos dias atuais. Os grilos que agora invadem tudo são meros exemplos de outras pragas que cotidianamente são suportadas, principalmente a praga que surge nos horizontes ao se aproximar um pleito eleitoral. Considerando que praga é também aquilo que importuna, então os alaridos e cricricris dos políticos em busca de acasalamento partidário se torna algo verdadeiramente desafiador aos que ainda se iludem com moral partidária.
Aliás, político realmente parece ser da família dos grilos. E vice-versa. Estes são insetos noturnos na sua normalidade, soltam seus cantos em busca de parceiros, são de cor parda, com par de antenas e saltadores. Algo a ver com o político, principalmente no que se refere aos hábitos noturnos para os acertos eleitoreiros, sua conhecida e apaixonada cantiga, sua cor parda exatamente para transformar-se noutra cor segundo a conveniência? E creio que não precisa dizer nada sobre ser saltador, viver pulando de canto a outro, de partido em partido, de agrupamento a agrupamento.
E os dois, o político e o grilo, são mestres absolutos na sua insuportável cantiga, na sua expressão através das vozes inconfundíveis. Os grilos chirriam, crilam, estridulam, estrilam, guizalham, trilam, tritrilam, tritrinam, são donos daquele cricri que faz enlouquecer qualquer um. E não são diferentes os sons emitidos pelos políticos, e tanto é verdade que ninguém suporta ouvir a sua detestável ladainha.
Grilos danados de chatos são estes políticos. Se o cricri de agora já começa a incomodar, que se imagine mais adiante, já no percurso do ano eleitoral. Se de suas tocas já fazem barulho demais, ferindo a audição e atentando contra a imaginação daqueles que têm bom senso, aporrinhação insuportável será quando as cantilenas de bondades começarem a ser ecoadas como pragas pelo ar.
Verdade é que tudo que se repete no dia a dia, ecoando nos ouvidos de forma enfadonha e indesejável, não deixa de ser uma espécie de cantiga de grilo. E neste ano de início de conchavos e arrumações político-partidárias, trocas de siglas, de acusações mais contundentes, de defesas exacerbadas do indefensável, de promessas e velhas cantilenas, as notícias envolvendo o mundo político passam a ressoar como pragas dos tempos modernos.
Não há, pois, como não confundir a política como uma praga e o grilo como um político. Daí que a partir desse período, com inevitável acréscimo no ano eleitoral que se avizinha, a barulheira impregnará de promessas e afirmações pouco confiáveis todo e qualquer cidadão. E o pior é que, igualmente o grilo, o político nunca reconhece que já está chateando demais.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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