SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 23 de setembro de 2013

À SOMBRA DAS GRANDES ÁRVORES


Rangel Alves da Costa*


As grandes árvores não existem mais. Ao menos no sertão elas não existem mais. O sol de todas as horas, principalmente dos momentos mais escaldantes e calorentos, desce abrasador e sem ter um sombreado que acolha um proseado de compadres, amigos e velhos conhecidos. O bicho que ia chegando mansinho, todo esperançoso de um cochilo reparador, agora tem de ruminar seu desalento.
Tardes sertanejas e que tão belas tardes de miragens surgindo no olhar. E nestes momentos nada melhor que a acolhida de um sombreado no meio do tempo. Enquanto a fornalha aquece o mundo ao redor, a tudo abrasa e desanima, embaixo da copa e indo até onde a sombra alcança, eis que as folhagens se deitam como sombreiros balouçantes para animar o homem diante do seu mundo.
Não há abanador ou lugar protegido da casa que traga conforto igual a estar debaixo de uma árvore frondosa, de uma figueira antiga, larga, imensa, se mantendo sempre imponente pelos arredores das moradias. Amendoeira de folhas largas, umbuzeiros baixos e aconchegantes, suntuosos flamboyants sertanejos que convidam o homem para o diálogo despreocupado ou para o descanso depois da labuta.
O tamarineiro se eleva esguio e depois permite que os seus galhos se abram em braços imensos e em cujos dedos se sobressaem as tantas folhas e os tantos frutos. A baraúna grande, de tronco reto e largo, parece nunca querer ficar distanciada da terra, pois suas folhagens descem quase rente ao chão. O umbuzeiro, também conhecido como árvore sagrada do sertão, é a grande amiga do sertanejo nos tempos de sequidão, pois local de repouso e repasto para bicho e gente.
As amendoeiras eram mais cortejadas pelas praças, nos centros urbanos. Muitas floresciam no final do inverno e na despedida espalhavam uma imensa colcha de folhas secas pelos canteiros, sendo recolhidas e servindo de caderno de poesia para o sertanejo apaixonado pela linda mocinha à janela. As folhagens grandes, de um marrom envernizado pelo fim de seus dias, formavam um lençol que se movia pelo chão ao sabor da ventania.
Vento quente, acompanhado de sopro também calorento, mas somente até o sol fragilizar suas brasas. Quando o fogaréu lá de cima amainava, quando a lâmina acesa desbotava sua cor, então o sombreado se alongava e uma aragem boa começava a chegar pelos lados das montanhas agrestinas. E trazendo sempre um perfume de esperança por dias melhores.
Verdadeiramente, não havia terreiro digno de ser sertanejo se não houvesse ao menos uma grande árvore enfeitando a paisagem árida. Tantas vezes, em meio ao desolamento, ao cinzento das pastagens e a murcheza da mataria, somente a grande árvore para preservar a esperança do homem. Pela cor, fragilidade ou balanço das folhagens, cada um sabia o que devia esperar naquele e nos dias seguintes. E quando a árvore entristecia, então era um deus nos acuda.
Tempos outros como se fossem agora, mas tudo diferente. Ali a velha senhora manda colocar sua cadeira de balanço e depois começa a chorar de saudade, lembrando os quadrantes idos, sentindo vozes no vento e feições pelos varais que valsam pelos quintais. O velho caboclo senta no tronco ali fincado a vida inteira, lança mão da palha seca de milho e do fumo já desfiado, ajeita tudo no dedo, fecha o cigarro nos beiços e depois se põe a mirar aquela imensidão. Só Deus sabe o que lhe surge à mente.
O vizinho aproveita e vai se achegando para uma pergunta ou notícia. E da palavra primeira chega uma boiada de coisas interessantes. Falam da seca que não vai demorar a chegar, do compadre adiante que teve de vender sua melhor cria, do sumiço de vez das frutas próprias da mataria, da carestia que toma conta de tudo. E chega mais um falando mal do político, da política e de um bando de desavergonhados. Então a conversa desanda de não acabar mais.
E logo mais as nuvens escondendo o sol por trás de suas asas e rumando além da serra. O tempo já está mais ameno, um sopro de aragem começa a chegar e as sombras da noite logo estarão por ali. A velha vai preparar seu cuscuz para comer com tripa de porco ou ovos de capoeira; o cheiro forte e encorpado do café já começa a se espalhar pelo ar; ouve-se um grito pra trazer lenha, e outro pra não se esquecer de tirar os panos do varal. E aquele anel dourado que surge é o que chamam de lua. Só que ali é diferente, maior, mais bonita, pois sertaneja.
Mas tudo conversa de tempo, de um tempo saudoso do próprio tempo passado. Idos das grandes árvores pelas matarias, quintais, jardins e defronte aos casebres e casas mais requintadas. Um tempo onde as grandes árvores eram amigas do homem, lhes dava sombra e refrescância, frutos e aconchegos. Portentosas espécies que acolhiam viajantes, comboeiros, vaqueiros, bandos cangaceiros e volantes, e em cujo tronco o apaixonado procurava eternizar sua paixão. Mas onde estão agora as grandes árvores?
As grandes árvores, suas tardes e sombreados, agora restam somente no pensamento. Ou naquela moldura na parede da memória. E como dói, como diria Drummond.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

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