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segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O SENTIMENTO DE PIRRO (OU A VITÓRIA COMO DERROTA)


Rangel Alves da Costa*


Nenhuma vitória aos olhos dos outros terá validade se a conquista não for proveitosa intimamente; não se deve comemorar aquilo cujas consequências serão de sensação de perda; de nada adianta cantar vitória se o conquistado destruiu-lhe as forças. É certamente uma visão cética da realidade para indicar, em síntese, que sem proveito nenhuma conquista terá qualquer valia.
Talvez tenham sido estas as sensações experimentadas por Pirro (318 a.C. — 272 a.C.), famoso general e ferrenho opositor de Roma, também rei de Épiro e da Macedônia. Este, após sofrer perdas significativas e ainda assim sair vitorioso nas Batalhas de Heracleia, em 280 a.C., e de Ásculo, em 279 a.C., ao receber os parabéns pelo feito na última batalha, resumiu o que sentia na seguinte frase: Mais uma vitória como esta, e estou perdido!
Historicamente, tal episódio ficou conhecido como a Vitória de Pirro ou Vitória Pírrica e passou a ser utilizado todas as vezes que se deseja expressar um sentimento de conquista demasiadamente dispendiosa; uma vitória alcançada a custo elevado demais, e que, por isso mesmo, precisa ser refletida se realmente tenha valido a pena lutar tanto. Há de se considerar qual proveito traz uma vitória onde todas as forças foram consumidas na batalha.
Como visto, o vitorioso Pirro reconheceu, entristecido, o quão inglória pode ser uma grande conquista. Perdeu os melhores generais, a maior parte de seu exército, quase foi totalmente destroçado. Mas por fim saiu da luta ileso e com o inimigo derrotado. Então haveria de se perguntar: A real força está num grande exército que perde uma batalha ou um pequeno exército que dá tudo de si e impiedosamente se fragiliza para derrotar um inimigo?
O grande exército se recompõe pela própria força que possui, enquanto o agrupamento vitorioso, por não poder refazer as grandes perdas, se fragiliza a tal ponto que não suportará qualquer nova investida adversária. Por isso mesmo que as vitórias, as conquistas e os sobrepujamentos dos adversários não devem ser considerados como frutos de uma disputa de vida ou morte se a permanência em pé não suportar um sopro de brisa.
Na esteira do sentimento pírrico, urge indagar qual valia possui tanta luta se mais tarde, quando muito já foi conquistado, a batalha é abandonada. Será preciso responder se vale a pena indignar-se, revoltar-se, esbravejar, buscar encorajamento e partir pra luta se mais adiante calará diante dos mesmos fatos que predispuseram a insurgência. E principalmente quando o inimigo, que tão fragilizado e amedrontado se mostrou, resolve não mais respeitar o indignado e praticar as mesmas ações. Pior ainda quando o adversário conhece bem até onde o seu contendor vai guerrear e em seguida fraquejar.
Infelizmente, o sentimento pírrico está muito mais refletido na atual realidade brasileira do que no passado histórico. Os adversários estavam em campo para a batalha. De um lado as mazelas do poder, as ineficácias governamentais, a corrupção político-administrativa, os enlameados donos do poder, os políticos e governantes com suas nefastas ações contra a sociedade; e de outro um batalhão de pessoas indignadas, revoltadas e esbravejantes com a situação imposta pelos adversários.
Logicamente que as forças de guerra do primeiro exército - governo, poder, políticos e política - eram infinitamente superiores ao poder de batalha apresentado pelo exército do povo, das ruas, formado pela população revoltosa. Contudo, mesmo sendo muito menos poderoso que as forças do poder e da política, a legião do povo conseguiu se sobrepor e atemorizar os adversários. E isto porque carregava com bandeira maior de luta a força da transformação. Se assim o quisesse.
Em determinado momento da luta, a poderosa força se amedrontou e recuou a tal ponto que os seus principais líderes se fecharam em gabinetes em busca de estratégias para reverter a situação extremamente desfavorável. E a única saída foi reconhecer a derrota e acenar como prêmio de guerra uma infinidade de promessas que jamais seriam cumpridas. Habilidosos como são, extremamente capacitados na arte da enganação, os governantes e políticos prometeram exatamente o que o exército do povo queria ouvir. Porém sabendo aqueles que tudo não passava de uma estratégia para refrear os ânimos de uma população caracterizada pelo rápido esquecimento daquilo que motivara sua luta.
E, como sempre ocorre no caso brasileiro, mais uma vez deu certa a estratégia do adversário anteriormente derrotado. Enquanto a população recolhia suas armas, calava os seus gritos e refreava os seus passos nas manifestações, o lado perdedor recobrou as forças suficientes para reinvestir contra o povo. As promessas foram esquecidas, o exército das ruas também esqueceu pelo que lutara, e tudo voltou a soprar favoravelmente aos poderosos. E agora, sem mais força para lutar, para mostrar revolta ou indignação, o povo parece ter passado para as hostes inimigas e até acariciar seu ego eleitoral. Basta ver as últimas pesquisas.
O general Pirro havia, desolado, reconhecido o pouco valor de uma luta que mesmo vitoriosa lhe tira as maiores forças. Talvez o exército do povo brasileiro continue achando que saiu como vencedor naquelas manifestações e atos de revolta. Conquistou o que, se tudo continua o mesmo e tende a piorar? Que o exemplo pírrico possa ensinar que a verdadeira vitória é aquela onde o conquistador não sai da luta ainda mais fragilizado.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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