SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 27 de junho de 2013

O MENINO DA MONTANHA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Era uma vez uma montanha. Era uma vez um menino. Era uma vez um menino da montanha...
Morando ao sopé da montanha, sempre ficava encantado quando voltava o olhar àquelas alturas, onde tudo parecia misterioso, cinzento, coberto de nuvens.
Mesmo morando ali pertinho, logo abaixo do monte, jamais tinha caminhado até lá, sequer se aproximado das veredas íngremes e pedregosas que levavam ao desconhecido.
Um dia avistou o avô chegando daqueles lados, mas estava calmo e tranquilo demais para ter feito aquela descida sem estar completamente suado e reclamando de cansaço.
Perguntou-lhe de onde vinha, e sorridente o velho respondeu que lá do alto da montanha. E sua feição parecia tomada de alegria, ânimo e contentamento.
O menino não disse nada, mesmo que achasse impossível uma pessoa envelhecida ter acabado de chegar daquela altura e não demonstrar nenhum sinal do esforço realizado.
Após o velho entrar em casa, o menino permaneceu olhando cada vez mais admiradamente em direção à montanha. E assim permaneceu até a noite chegar.
Ainda no entardecer, quando parecia paralisado olhando e olhando mais para o alto, sentiu como se as cores do sol se pondo formassem um desenho estranhamente belo.
No dia seguinte, logo cedinho encontrou seu avô no mesmo lugar onde havia permanecido tanto tempo e se viu forçado a perguntar o que havia lá no alto da montanha.
O velho, um tanto espantado com a pergunta do neto, levantou o olhar naquela direção e disse, quase pausadamente, que não havia nada demais lá em cima. Mas...
E olhando profundamente nos olhos do seu, completou que era uma montanha qualquer, mas que poderia se transformar em qualquer coisa que um bom coração quisesse.
As últimas palavras não foram bem entendidas pelo menino. Não sabia bem o que poderia significar se transformar em qualquer coisa que um bom coração quisesse.
O menino ficou ainda mais intrigado, contudo resolveu não fazer mais perguntas. Já tinha em mente o que deveria fazer ainda naquele dia, no momento mais adequado.
Quando se viu sozinho, correu até o portal da primeira vereda e começou a desbravar os caminhos. Em meio a mataria, garranchos, pedras e espinhos, foi subindo e subindo mais.
Olhava para cima e só avistava subidas, dificuldades, ameaças. Cansado, parou um instante e ficou imaginando como seu avô havia conseguido chegar até lá em cima.
Pensou em retornar, porém queria mostrar a si mesmo que conseguiria. E não apenas isso, pois sua intenção maior era alcançar o topo e lançar o olhar no mundo ao redor.
De repente, percebeu que já estava chegando quase lá. Agora tudo parecia em degrau, sem armadilhas ou dificuldades, com mato verdejante, flores e borboletas multicores.
Colocou o pé no ponto mais alto e logo se deslumbrou com a natureza exuberante ali existente, o vento perfumado soprando e uma canção que parecia descer das nuvens.
Os seus olhos brilhavam a cada beleza avistada. Será aqui o paraíso? Indagou ao lembrar que uma vez o seu avô havia falado que por ali existia um verdadeiro paraíso.
E lá do alto lançou o olhar ao redor. Tudo imenso e belo, tudo numa paz inimaginável que existisse, tudo perfeitamente criado por Deus. Deus? E se tomou de espanto.
Se ali era um paraíso, com tudo maravilhosamente criado por Deus, então o Criador talvez estivesse por perto. Sim, talvez isso fosse possível. E gritou pelo seu nome, invocou sua presença.
E uma aragem macia soprou ao seu lado, diante de sua face, ao redor. Sentiu uma presença, ouviu uma voz. Sim, sei que está aqui. Também sei que aqui é a sua igreja, e nela meu avô vem rezar por nós. Disse a si mesmo.
E, cheio de felicidade e contentamento, ergueu os braços e fechou os olhos. E viu uma face iluminada. Viu a face de Deus. E ao abrir os olhos já estava lá embaixo, no sopé da montanha.
E um pássaro de luz voava, retornando em direção à montanha.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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