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quinta-feira, 6 de junho de 2013

O FAROL (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Na lonjura do olhar, parecendo distante de tudo, o farol brilha na noite. Luz solitária e silenciosa, abre seus olhos para o mar e se sente marejado, molhado. O farol também chora.
Quer avistar o barco que singrou distante, quer ser o caminho do solitário navegante, quer dizer que as curvas das águas não oferecem perigo, quer ser o lenço acenando saudade.
Num tempo muito distante, dizem que o Farol de Alexandria se lançou às águas ao avistar bela sereia. A Lanterna de Gênova, de tanto ter os olhos brilhando para as ondas misteriosas, acabou cegando e foi abandonado.
Mas este farol foi erguido noutro tempo, ainda que em data desconhecida pelo mais antigo dos viventes da beira do cais. Mas dizem que nem foi construído, simplesmente surgiu ali como luz guardiã de navegantes e embarcações.
Ao cair da noite, logo depois do entardecer, a mão do faroleiro desconhecido alimenta a tocha que tremula ao açoite do vento. Nunca se apaga. À luz do dia e ainda queima o seu candeeiro sempre aflito e entristecido.
Não tem luz de cor definida. Não parece vermelha para dizer que a embarcação tem de ir a bombordo, à sua esquerda; ou verde, para dizer que siga a estibordo, à sua direita. É apenas luz de cor indefinida, como a dos olhos envelhecidos por tantas noites insones.
Não há nada mais triste e solitário que um farol, certa feita escreveu um poeta. Sua luz cintila tão melancolicamente que mais parece o último sopro de uma vida tomada de espanto. É pelo que avista, é pelo que vê adiante, pelo que enxerga ao longe.
Na noite, ao lançar seus olhos sobre as águas adiante, ouvindo o murmurejar agitado das ondas, avista muito mais que um leito misterioso e inebriante. O clarão da lua que reflete nas águas se faz como espelho despertando segredos e recordações.
A dança das ondas, valsa de imenso salão, vem acompanhada de seres invisíveis que transbordam aflições e tormentos. Uma orquestra dolente, um piano distante, um violino de acorde náufrago e repentina mudez. E depois o silêncio.
O silêncio que chega pelas águas, aporta no cais, caminha na areia, se revela no meio da noite: a voz emudecida num rosto aflito. Espalha pétalas molhadas pelo ar, escreve um poema na areia, ouve um segredo de concha. E depois chora sua dor.
Tudo isso o farol vê e sente. Por tudo isso o farol agoniza. E tantas vezes sua luz avança molhada em direção às águas numa mistura de lágrima e imensidão. Queria ser mais alegre, queria ser feliz, mas não há nada na noite do cais que possa alegrar um olhar predestinado a avistar tristeza, silêncio e solidão.
Viu o barco partir e o barco não voltar. Avistou-o ao longe sem rumo e sem dono. Lá dentro mais uma de tantas despedidas, nas águas o destino de quem tanto queria retornar para os braços de sua amada. Porém outro amor encontrou no abraço da sereia que sempre guia o seu amado para o castelo profundo.
Viu a mulher aflita andar pelo cais. De lenço à mão parecendo chorar, de terço à mão parecendo em contínua prece, de olhar tristonho parecendo temer. Seu amor, seu amor lá nas águas, sem retorno já debaixo da lua, sem voltar para os braços dos seus. E ouviu aquele canto feliz da sereia. Canto de quem se farta de um amor perdido. E deitou na areia para chorar sua dor.
Viu a bela moça de chapéu florido, de roupa rendada e livro à mão, levemente subindo na embarcação, sempre olhando pra trás e querendo acenar. E em cima da pedra um rosto tristonho, sem cor e sem gesto, sem acreditar. Sua pobreza desfazia um amor. Bela moça era forçada a seguir para longe.
E tudo isso aos olhos marejados do farol. E numa noite sem lua lá em cima, com as águas agitadas pelo mar revolto, ele cantou uma velha canção marinheira, tão triste como o cais mais triste, e depois calou. Sufocou um grito na garganta e silenciou. Em seguida soprou sua própria chama e se apagou.
Resta apenas a esguia e envelhecida construção. Mas sem luz no farol, quase sem farol. Apenas um soluço em meio à noturna solidão. E também uma lágrima de água morta.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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