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sábado, 1 de junho de 2013

NEOLOGISMOS DESESTRUTURANTES (OU AS PALAVRAS INTENCIONALMENTE FORJADAS) (Artigo)


Rangel Alves da Costa*


Parece coisa de Odorico Paraguaçu, mas no meio político e governamental virou modismo descomunal se falar em estruturante. Na verborragia da hora, tudo diz respeito à obra estruturante, política estruturante, resposta estruturante, proposta estruturante.
Que pergunte a jornalistas, técnicos, acadêmicos e políticos o que seja estruturante. Dificilmente virá uma resposta satisfatória, conclusiva, a não ser um arremedo de confusões interpretativas. E isto porque em torno dos conceitos estruturantes, organiza-se uma série de outros conceitos e noções. Desse modo, tem-se que estruturante é um leque que se abre em diversas direções.
Mas o termo estruturante não fica isolado nas verborragias neologistas. Propinoduto, pilantropia, mensalão, mensalinho, lulismo, valerioduto, fracassomania, hiperpartidarismo, dentre tantos outros termos. Há uma inteligência demasiadamente prodigiosa no cunho de expressões esdrúxulas.
Logicamente que estruturante vem do termo estrutura, e esta possui os mais variados sentidos.  Constitui o elo de ligação entre as orientações estratégicas de um organismo e a sua atuação; é uma junção de componentes ou serviços inter-relacionados; diz respeito à forma de organização das entidades, através de suas relações complexas.
Mas o que significa mesmo estruturante? Ora, os dicionários e enciclopédias falam em estrutura, estrutural, estruturação, mas quase nada desse adjetivo neologista denominado estruturante. Quer dizer, forjaram um conceito que fosse mais ininteligível do que a velha e pouco compreendida infraestrutura. E esta como o conjunto de fatores que servem de base para o desenvolvimento de outras atividades.
Há uma Legislação Estruturante do SUS, que nada mais é do que a legislação norteadora do órgão. Há um Núcleo Docente Estruturante, que nada mais é do que um órgão consultivo de gestão acadêmica. Há Conteúdos Acadêmicos Estruturantes, que nada mais são do que conhecimentos de grande amplitude. E há também ações governamentais estruturantes, que podem significar um monte de coisas e nada ao mesmo tempo.
Outro dia saiu no Nenotícias: “Grupo liderado por Amorim vai discutir obras estruturantes para o Proinveste com Déda”, e mais adiante diz que “o grupo liderado pelos irmãos Amorim decidiu atender ao apelo e que quer discutir apenas obras estruturantes para o Estado”. Não seria mais coerente, mais respeitoso ao leitor, afirmar que o grupo vai discutir acerca da realização de obras essenciais para o Estado. Ora, todo mundo sabe o que são obras essenciais, principalmente quando se fala tanto na construção do Hospital do Câncer.
Segundo o dicionário virtual Priberam, estruturante significa aquilo que estrutura ou permite a estruturação. É também a noção repassada pelo Dicionário Houaiss. E surge a estruturação para complicar mais o entendimento. O Dicionário Online de Português diz apenas que estruturante é uma palavra derivada de estruturar, e que esta é dar estrutura, organizar, dispor segundo uma ordem.
Quer dizer, para dimensionar o que seja estruturante, compreendendo seu significado, requer-se o conhecimento do que seja estruturação e, mais ainda, conhecer os processos de formação dos vocábulos, relacionar o significado de seus elementos formadores e, por conseguinte, deduzir o que significa a palavra.
Defendendo a correção do vocábulo, e afirmando que a existência de palavras pode muito bem antecipar-se ao que consta dos dicionários, ensina Pasquale Cipro Neto (“Reformas estruturantes” - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3108200605.htm), que não é preciso recorrer a dicionários para deduzir que "estruturante" significa "aquilo ou aquele que estrutura" ou "que favorece ou determina a estruturação". Neste sentido, obras estruturantes seriam aquelas que geram estruturas para novas obras.
No vocabulário político, certamente que o adjetivo estruturante surge quase como promessa, necessidade de realização, compromisso governamental. Soa bem como forma de repasse ao cidadão de algo grandioso, proveitoso demais, de essencialidade absoluta. O problema é que se a palavra não vier acompanhada de explicações outras, não possui entendimento algum, pois generalizante.
Ora, afirmar que técnicos estão discutindo políticas estruturantes é apenas uma forma de afirmar que estão discutindo ou elaborando projetos de obras estruturais que servirão de base para outros serviços essenciais. Um porto é uma obra estruturante porque servirá para o escoamento de bens e produtos e para alavancar a economia; a construção de adutoras também, e pelos motivos que todos conhecem.
O problema todo reside na delimitação do uso do vocábulo. Isto porque as obras estruturantes, grandiosas que são, necessitam, em primeiro lugar, que obras estruturais sejam realizadas. As obras estruturantes não surgem primeiro que as infraestruturas, pois somente estas permitem, dão a estrutura de base, à realização das obras essenciais.
 Soa bonito dizer, falar em entrevista, mas infelizmente não chega ao povo da forma inteligível que deveria chegar. Até porque o político ou governante não pode se esconder através de conceitos poucos usuais para encobrir o que não tem certeza se realizará.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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