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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 7 de junho de 2013

MILAGRES DA SOBREVIVÊNCIA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Considerando-se que milagres são feitos alcançados de maneira espetacular, de modo inexplicável, desafiando o conhecimento sobre a sua possibilidade de acontecer e que, portanto, exige para tal a intercessão divina, então a sobrevivência de muitos se opera por tais prodígios.
Não há como pensar diferente. A sobrevivência do pobre está baseada principalmente no milagre da multiplicação. A Bíblia, em Mateus 14:13-21, Marcos 6:31-44, Lucas 9:10-17 e João 6:5-15, fala no milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.
Jesus, “Tendo mandado à multidão que se assentasse sobre a relva, tomou os cinco pães e os dois peixes e, erguendo os olhos ao céu, deu graças e, partindo os pães, entregou-os aos discípulos, e os discípulos entregaram-nos à multidão. Todos comeram e se fartaram; e do que sobejou levantaram doze cestos cheios de pedaços. Ora os que comeram, foram cerca de cinco mil homens, além de mulheres e crianças”. Está escrito em Mateus.
Jesus “Perguntou: Quantos pães tendes? Responderam eles: Sete. Ordenou ao povo que se assentasse no chão; tomando os sete pães, depois de haver dado graças, partiu-os e entregou a seus discípulos, para que os distribuíssem; e eles os distribuíram pela multidão. Tinham também alguns peixinhos; e abençoando-os, mandou que estes igualmente fossem distribuídos. Todos comeram e se fartaram; e levantaram, dos pedaços que sobejaram, sete alcofas. Eram cerca de quatro mil homens. Está escrito em Marcos.
E se alguém chegar a um casebre nas distâncias nordestinas, nas esturricadas terras sertanejas onde a seca desenfreada vai trazendo consigo a miséria mais horripilante, e perguntar ao pai de família o que comprou na feira da semana, certamente vai se tomar de espanto. E mais ainda se quiser saber quantas bocas ali existem para ser alimentadas.
Verdade é que a maioria das pessoas dos centros urbanos, das regiões mais afastadas ou até mesmo vivendo naquelas redondezas, sequer imagina como se opera ali o milagre da sobrevivência, da multiplicação do que houver. E até do nada. E só por milagre mesmo para um quilo de carne com osso - quando pode comprar -, um tantinho de farinha e outro de feijão, alimentar o casal e mais quatro ou cinco filhos, quando a família não é maior.
Os citadinos ficariam ainda mais espantados com o que de vez em quando possam encontrar dentro do prato de estanho ou na mão do barrigudinho cheio de verminoses. Carne branca de urtiga e de cabeça-de-frade, perna de preá queimado na brasa, cobra e teiú, calango, qualquer bicho de pena que possa enganar a fome. O café de folha do mato, a sobremesa no barro da mão do menino.
Mas haveriam de dizer que o homem do campo pode muito bem se alimentar daquilo que produz na terra, e que, portanto, não necessita tanto de estar adquirindo alimentos. Contudo, a situação ali é bem diferente, vez que se trata de sertão, de seca, de fome, de sede, de miséria e de um braseiro na terra que não vinga nem pedra miúda. Até mesmo quando chove é pouca a produção, pois geralmente falta semente e os meios de cultivo ainda são arcaicos.
Assim, da terra não colhem nada ou quase nada, dela não retiram alimento suficiente, e todo meio de sobrevivência dependerá do que conseguirem comprar ou receber como auxílio ou esmola. Não esquecendo que até as cestas que acaso recebam não duram mais que três ou quatro dias. E a fome, como se sabe, não fica adormecida esperando a próxima esmola chegar.
Urge então perguntar: E após o alimento acabar, como fazer para calar o choro da criança faminta? E, necessariamente, mais uma indagação: Como fazem para sobreviver aquelas famílias esquecidas de tudo, dos governantes e dos políticos, já que nem a esmola da cesta conseguem receber? Somente por milagre. As situações ou meios encontrados pelos pais para alimentar os seus não podem ser fruto somente do ânimo humano, mas de verdadeiro milagre.
Se aquele que faz feira na cidade grande, de vez em quando se dirige até a mercearia para comprar o que está faltando, ainda assim reclama e diz ser tão difícil sobreviver com a carestia e não vê a hora de não poder comprar nem metade do que precisa, imagine a situação de quem nem consegue reclamar. Vai pra feira de saco nas costas e retorna desesperançado e pedindo à esposa que faça uma sopa de ossos.
A cada novo dia um novo sofrimento chega com o olhar da criança, no semblante do filho pequenino. Muitas vezes nem farinha tem para a papa d’água, mas assim mesmo encontra alguma coisa para enganar a fome. Não tem pão, mas de repente surge a carne esbranquiçada de um cacto; não tem carne de boi, mas uma perna de preá é de serventia sem igual.
E assim, ainda que buchudinhos pelo barro que também gostam de botar na boca, vão crescendo e se tornam adultos. E já não são filhos somente daqueles pais lutadores, mas também dos prodígios de cada dia, dos tantos  milagres da sobrevivência.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

LAO disse...

es cierto amigo Biograngel, se estamos atentos veremos como es que estamos rodeados de pequeños grandes milagros que hacen a la vida maravillosa. UN ABRAZO FRATERNO DESDE ARGENTINA.